Talvez você pergunte por quê; digo-lhe ser isso muito evidente: A missão de Cristo foi, sobretudo, a libertação do homem de tentar ser Deus e admitir quão bom é ser gente dependente de Deus.
Eu sempre sofri com a frase de Karl Marx: "A religião é o ópio do povo". Minha angústia para com essa idéia não está no conceito marxista de que a principal função da religião é anestesiar o homem de sua realidade – o cristianismo revelado nas Escrituras contradiz Marx, mas penso sim, e a cada dia me convenço de que infelizmente a religião é ópio do povo enquanto serve pra infantilizá-lo, enquanto serve pra aliená-lo.
No último sábado dois queridos amigos se casaram (diga-se de passagem, foi um dos melhores casamentos que já participei). Já havia decidido que o casamento deles seria um divisor de águas na minha vida: eu iria dar o primeiro passo para romper com todos os fragmentos alienantes que a religião propunha sobre mim.
O momento que mais ansiei foi a hora da valsa seguida pela liberação da pista de dança; instantes antes me pus a pensar como seria – cheguei até a titubear, mas logo fui envolvido pelo aviso do DJ quanto ao inicio da valsa. Em acabando a valsa, voltei ao meu devido lugar, tão logo a música começou, a pista foi liberada, relutei, confesso, tive medo de não ser mais o mesmo, tive medo de magoar e escandalizar muitos dos que ali estavam, porém algo dentro de mim dizia: herói ou covarde? Jesus ou Pedro? Aceitar a religiosidade ou pular os seus muros?
Enfim, dancei, e dancei por mais de três horas seguidas, não sei se o fiz bem, até porque fazia tempo que não chacoalhava o esqueleto, mas fiz. Enquanto dançava um sentimento de liberdade tomou conta de mim, ouvia aplausos no meu consciente, me sentia a cada hora que passava ali dançando um herói.
Quando o ímpeto acabou voltei ao meu lugar por definitivo, logo percebi nos olhos de muitos, uma repulsa imensurável, vi revolta e senti desaprovação, mas tudo isso não me abalou, eu estava satisfeito. (Daria tudo pra estar em Caná da Galiléia, dançando com o mestre, cantando e batendo palmas assim como ainda fazem os judeus.)
Contudo, algo me abalaria naquela noite. Ao abraçar uma das pessoas que ali estavam recebi uma recomendação: irmão William! Acho melhor você não tomar Ceia amanhã depois desse pecado que você cometeu. Eu estava com o pensamento tão longe que não consegui discernir serem aquelas palavras uma condenação ou uma ironia, só sei que aquela frase me roubou algumas horas da madrugada do domingo. Não tive tragados alguns minutos de minha noite pelo fato de ser aquela pessoa que me disse isso e sim pelo que ela disse.
Sendo ironia ou não, o fato é que muitos pensaram como ela, alguns externaram outros estão até agora explodindo por dentro. Agora eu sei como se sentiram os religiosos quando viram Jesus sentado à mesa com prostituas e publicanos e como se sentiu o mestre, o sentimento é o mesmo, cheguei à conclusão de que a religião "lavou" de tal forma a capacidade sensitiva e raciocinaria das pessoas, de modo que elas colocam no inferno uma pessoa pelo fato dela ter insistido em ser gente e estar com gente.
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