15.6.08

Não sou passional, lamento...

Não sou passional. Busquei de todas as formas extremar meus atos, acentuar a veemência dos gestos, forçar despedidas, aparentar intransigência, fechar a cara.

É humilhante, mas a loucura me negou a carta de recomendação. Os astros e o ascendente não me ajudaram. Eu me candidatei ao posto: decepcionei.

Não é para mim mandar alguém embora, deserdar, despejar, terminar um namoro, brigar no trânsito, peitar estranhos, pedir demissão. Não dou ordens, convenço.

Ser considerado "passional" provoca até medo. Incute respeito. Explodir sempre e usar a desculpa de que é do temperamento, do feitio biológico. Não ter como mudar, pois o autocontrole seria uma agressão ainda maior.

O passional anuncia que é irrecuperável - não permite ninguém duvidar. Deixa ao próximo uma liberdade de bula: “leia e arque com as conseqüências”.

Como arremessar a vida pela janela e não correr para recolhê-la? Como se aventurar até esquecer como é a própria casa?

Estar disposto a tudo a qualquer hora. Não premeditar. A característica combinava comigo, complementava o signo: escorpiano, passional. Perfeito para incluir no meu perfil no orkut e atrair interessados. Poderia me ajudar na solução de problemas, simplesmente porque não pensaria neles. O passional não depende de si, mas da compreensão alheia. Ou ame ou me odeie, e exigir a rubrica do amigo em todas as vias do contrato. Arre, mal consigo me odiar por mais de uma hora.

O passional é um folgado em sua raiva. Inconseqüente. Não irá se justificar. Considera seu caráter uma fatalidade.

Queria ser, procurei apostilas nas saídas dos bancos. Mas continuo me explicando depois de compreendido.

Nunca enxerguei tantos passionais como agora. Falsos como eu, o que me tornam ainda mais falso.

No primeiro encontro, confessam, orgulhosos: “sou passional”, com o sectarismo de um time de futebol, de uma religião, de uma nacionalidade. Abrem a garrafa com os beiços para não gerar desconfiança da impetuosidade. Não suportam serem confundidos com os normais (os normais são o resto do mundo).

Minha paixão é tonta, cristã. Desculpo muito ligeiro. Eu me arrependo igualmente veloz. Nem curto a erupção. Não vejo até onde as lavas descem. Muito menos sinto prazer do pânico que causei. Não assisto ao espetáculo de minha fúria - sou o primeiro a vaiar. Quando machuco, já abraço, já consolo, já amparo, já digo que passou.

Falhei em minha ambição. Não sou passional, sou intenso. Uns dias mais do que os outros. Não me banalizo.

arte de Rufino Tamayo

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