23.8.08

O canalha tem um apelo irresistível

Diante da curiosidade que provocam suas unhas recém-pintadas de vermelho, o escritor Fabrício Carpinejar dispara, calhordamente: ­ Eu sou um trailer feminino e um longa-metragem masculino.

Poeta, cronista e canalha assumido de longa data, o gaúcho tem circulado pela 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo com estardalhaço. Não consegue ser discreto: interrompe a briga do casal de namorados, faz piada com a equipe da feira, indaga sobre a vida amorosa de anônimos.

No estande da Record, seu 13º livro aparece tinindo de novo. Chama-se, não à toa, Canalha! (Bertrand Brasil, 315 páginas, R$ 35) e reúne crônicas que revelam o que Fabrício chama "o novo canalha": esse sujeito que, como o autor, não tem pinta de Jece Valadão. No lugar da falta de caráter, a perplexidade. Em vez da graxa, o esmalte.

Por que escolheu o canalha como protagonista?

Porque o canalha tem um apelo irresistível. Ele deixou sua conotação política de homem sem caráter para se tornar um imprestável necessário. A verdade é que o canalha é fundamental na cadeia sexual: a mulher sabe que ele não vale nada, mas fica com ele assim mesmo. Porque ela acredita em sua conversão.

E por que o canalha mudou?

O canalha mudou de perfil para reagir a essa nova mulher que estamos vendo surgir. As mulheres de hoje são mais exigentes e deixam pouco espaço para os homens. Hoje, na sedução, o homem tem que aparecer já pronto. Não temos mais tempo para ensinar ao outro o que a gente é. Uma pena: essa é a melhor parte do relacionamento.

Um canalha é feito por vocação ou por aprendizado?

Por vocação, sem dúvida. Impossível piratear um canalha. Ele não é mais o Jece Valadão, o cara que limpava os dentes com a ponta da faca. Não podemos confundi-lo com as categorias inferiores, como o cafajeste, o pilantra ou o estúpido.

Qual a diferença entre um canalha e um cafajeste?

­O cafajeste só pensa no próprio prazer. Já o canalha ganha pontos por investir no prazer do outro. Ele mente com a sua verdade.

Cite um exemplo de grande canalha da literatura.

­O Brás Cubas (personagem de Machado de Assis). Ele não tem vergonha da ironia, da autocrítica. É diferente do cafajeste, que se leva a sério. Brás Cubas, como o bom canalha, ri de si. É fácil convencer as mulheres pela tristeza. Difícil é convencê-las pelo riso.

E diante de qual personagem você gostaria de exercitar as habilidades de canalha?­

Bentinho (de Dom Casmurro, também de Machado). Daria uma bela lição nele: a de que a vida é menos versão. Ele quer dar uma versão própria para tudo, e não vê que é preciso um distanciamento para voltar a sentir.

Haveria algo de canalha no fazer literário?­

A boa literatura não quer convencer. Isso é para quem não tem sensibilidade. Ela quer seduzir. A linguagem é o ato de suportar o silêncio. Quanto tempo você aguenta olhando no olho do outro? A linguagem é isso: o olhar nos olhos. Quantas páginas você suporta lendo em silêncio?

Poetas são, por natureza, canalhas?­

Você não vai usar a poesia para levar alguém para a cama. Por outro lado, eu acho que o grande canalha na poesia é aquele que transforma os limites entre a ficção e a biografia. É aquele que torna o interlocutor o próprio poeta, que cede a autoria.

Leia +

Nenhum comentário:

Blog Widget by LinkWithin