Compreendo quem leva o jornal para relaxar no banheiro de sua casa.
Natural. Assim como revistas.
Não sou fã da idéia de transportar livros para o vaso. É muito triste pensar que estou sendo lido naquele momento. O cara cagando e me lendo.
Prefiro uma cagada analfabeta a uma culta. Rogo para não ouvir tal confidência. Não me conte detalhes. Não me fale pormenores.
Ele sempre vai me relacionar ao barulho da descarga.
Eu dependerei mais do funcionamento do seu estômago do que do seu cérebro.
Se sofre de prisão de ventre, é admissível ler toda minha obra e ainda reclamar que escrevo pouco.
Livro no banheiro é uma opressão. Nem o futuro alívio melhora a frase.
Quando estagiava numa repartição pública, enfrentava a tortura de um colega, que pedia o jornal emprestado e se trancava no toalete. Sou cheio de pudor em ¨¨¨¨¨¨ no trabalho. Só em apuros. Creio que sou pago para me controlar. Mas esse amigo não carregava nenhuma vergonha, somente o caderno de esporte. Aprumava o passo para suas necessidades.
Todos os amigos conheciam seus horários. Uma certeza folclórica, talvez meteorológica. Tomava o jornal e os presentes franziam as testas, tolhidos, não desejando participar - ainda que passivamente - daquela consciência. Aflitos por observar o gesto dele. Com cara de supositórios. Propensos a entregar a carta de demissão para não serem incluídos como testemunhas.
Tão esquisito encarar alguém com a certeza de que ele vai cagar. Perde-se, mais do que a inocência, a esperança na civilização.
Ele entregava o jornal depois, com um riso de ovelha depilada. Encarregado da clipagem, desprezava dezenas de matérias. Recortes importantes não entravam de propósito. Escolhia minha incompetência para preservar a higiene. Como adivinhar se ele lavava as mãos. Sei lá. Não há como lavar as mãos porque o jornal acontece durante.
Quando tocava o telefone para ele, no momento de sua - digamos - leitura, o pessoal gaguejava ao explicar que ele já voltaria. Evidente que, ao escutarmos que "ele já volta", entendemos que está no banheiro. Descarta-se uma reunião ou uma passagem na copa para encher a xícara de café. "Já volta, rapidinho" é uma mijada. "Já voltaaa!" é uma cagada. Quem atende ao telefone tem a exata noção se o parceiro está entre um ou o outro.
Esse amigo tirou férias e curti a liberdade provisória de picotar o papel sem sofrer com a obsessão de limpeza.
Até que ele apareceu, em pleno descanso, no mesmo horário, para solicitar o jornal e repetir religiosamente seu expediente biológico. Depois do feito, devolvia o suplemento, dava tapinhas em minhas costas e rumava para a rua.
Não era a leitura que o acalmava. Precisava me constranger.
arte de Pieter Brueghel
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