6.9.08

Religião e alucinação

Tenho muita pena dos crédulos. Chego a chorar por mulheres e homens ingênuos; os de semblante triste que lotam as magníficas catedrais, na espera de promessas que nunca se cumprirão. Estou consciente de que não teria sucesso se tentasse alertá-los da armadilha que caíram. A grande maioria inconscientemente repete a lógica sinistra do, “me engana que eu gosto”.

Se pudesse, eu diria a todos que não existe o mundo protegido dos sermões. Só no “País da Alice” é possível viver sem perigo de acidentes, sem possibilidade da frustração, sem contingência e sem risco.

Se pudesse, eu diria que não é verdade que “tudo vai dar certo”. Para muitos (cristãos, inclusive) a vida não “deu certo”. Alguns sucumbiram em campos de concentração, outros nunca saíram da miséria. Mulheres viram seus maridos agonizarem sob tortura. Pais sofreram em cemitérios com a partida prematura dos filhos. Se pudesse, advertiria os simples de que vários filhos de Deus morreram sem nunca ver a promessa se cumprir.

Se pudesse, eu diria que só nos delírios messiânicos dos falsos sacerdotes acontecem milagres aos borbotões. A regularidade da vida requer realismo. Os tetraplégicos vão ter que esperar pelos milagres da medicina - quem sabe, um dia, os experimentos com células tronco consigam regenerar os tecidos nervosos que se partiram. Crianças com Síndrome de Down merecem ser amadas sem a pressão de “terem que ser curadas”. Os amputados não devem esperar que os membros cresçam de volta, mas que a cibernética invente próteses mais eficientes.

Se pudesse, eu diria que só os oportunistas menos escrupulosos prometem riqueza em nome de Deus. Em um país que remunera o capital acima do trabalho, os torneiros mecânicos, os motoristas, os cozinheiros, as enfermeiras, os pedreiros, as professoras, vão ter dificuldade para pagar as despesas básicas da família. Mente quem reduz a religião a um processo mágico que garante ascensão social.

Se pudesse, eu diria que nem tudo tem um propósito. Denunciaria a morte de bebês na Unidade de Terapia Intensiva do hospital público como pecado; portanto, contrária à vontade de Deus. Não permitiria que os teólogos creditassem na conta da Providência o rio que virou esgoto, a floresta incendiada e as favelas que se acumulam na periferia das grandes cidades. Jamais deixaria que se tentasse explicar o acidente automobilístico causado pelo bêbado como uma “vontade permissiva de Deus”.

Se pudesse, eu pediria as pessoas que tentassem viver uma espiritualidade menos alucinatória e mais “pé no chão”. Diria: não adianta querer dourar o mundo com desejos utópicos. Assim como o etíope não muda a cor da pele, não se altera a realidade fechando os olhos e aguardando um paraíso de delícias.

Estou consciente de que não serei ouvido pela grande maioria. Resta-me continuar escrevendo, falando... Pode ser que uns poucos prestem atenção.

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim

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7 comentários:

Anônimo disse...

Sem ser adepto da teologia da prosperidade tenho liberdade para dizer ao Intelectual Gondim que não preciso olhar mais o final do post para saber que é ele quem escreve. Essa atitude "eternamente Eclesiastes" não é todo o conselho de Deus! Sinceramente só chá de losna e ervas amargas me dão náuseas, quero provar também da gostosura do Cordeiro. Espero que não hajam muitos a segui-lo por essa estrada cinza do estoicismo. "Descompasso e o desperdício, herdeiros são agora da virtude que perdemos. Há tempos tive um sonho, não me lembro, não me lembro."

Fabiano Goulart

Pavarini disse...

Fabiano,

Não sei se lhe parabenizo por não ter tantos questionamentos. Afinal, minha fé tem sido forjada na "fornalha de dúvidas", como aconteceu c/ Dostoiévski.

Por isso os textos do Ricardo Gondim têm espaço cativo neste sitiozinho freqüentado por leitores de diferentes graus de convicção. =]

Big abraço

Anônimo disse...

Intressante, Fabiano. Você não discute os argumentos do Gondim - antes de qualquer consideração solta uma ironia. Para quê o "intelectual"? E se sente com liberdade para expor sentimentos delicados.

Lamentável que as antipatias precedam os arrazoamentos; por que os antagonismos são mais fortes que as idéias?

O "chá de losnas e ervas amargas" que você se recusa beber, não deram náuseas nos profetas.

Enquanto você bebe K-suco adocicado, os arautos do oportunismo enriquecem com a ingenuidade do povo.

José.

Anônimo disse...

Amigo! Achei seus questionamentos interessantes. Na verdade, grande parte da população que ainda raciocina já chegou nesse resultado, porém, vou lhe contar um segredo; tudo está perfeito! É como se nossas vidas fossem calculadas pela matemática... Não pense pequeno, pense grande, movimente as meninges com raios dourados!
Amigo, você pode contribuir para a mudança desse mundo, sem sair do lugar e sem ninguém ficar sabendo...

Anônimo disse...

Legal que se desperte um pouco de conversa sobre esse assunto! Mas minha fé também tem sido forjada na fornalha das dúvidas queridos companheiros de jornada! Já passei pela "noite escura da alma". Mas sinceramente não sou cem por cento dúvida e azedume! Já faz uns cinco anos que só escuto a mesma canção do Gondim. Quanto aos profetas José, eles jamais terminavam seus livros sem tons de esperança e imaginação profética. Há tempo para todo propósito debaixo do céu. A verdade não está no isso ou aquilo, mas no nisso e também aquilo da Escritura. Abraço amigos. Obrigado pelas palavras. Fabiano

Anônimo disse...

O quê? Os profetas não terminavam com desesperança???? Acho que a sua Bíblia é diferente da minha. Alguns profetas chegaram ao cúmulo de dizer que a única esperança era capitular... Dá pra entender porque foram apedrejados. Confesse, você não tolera o Gondim e fica com esse papo furado... Vá no site dele e você verá que ele não tem as cores cinzentas do seu preconceito...

Aline

Anônimo disse...

Eu não tinha idéia que um artigo do Gondim pudesse gerar o zunir de foices de veludo.
Tão importante quanto a verdade é discernir o espírito que motiva o uso dela.
Ai!...acho que meti a colher onde não fui chamado.

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