Se o leitor ou a leitora conhecerem um bom psiquiatra, favor entrar em contato -- sofro de um raríssimo distúrbio cognitivo: não entendo adesivos.
Tudo começou com “Deus é fiel”. Li e pensei: como assim? Seria um complô corintiano? Deus não era apenas brasileiro como torcedor do Timão e membro de sua torcida organizada? Fontes ligadas ao parque São Jorge, no entanto, me asseguraram que não: a Gaviões não tinha nada a ver com aquilo. Mas então... Por acaso alguém acha que Deus vai deixar o pessoal na mão? Que na hora agá ele pode resolver barrar as almas caridosas e salvar, sei lá, o Ozzy Osbourn, só de sacanagem?
Se com o problema religioso-desportivo fiquei intrigado, qual não foi minha desorientação ao ver pipocar, em dezenas de carros, a enigmática mensagem “No vaca”. Seria um surto de moralismo? Quem sabe a mesma turma da fidelidade divina quer agora dizer que naquele carro só entra moça direita? Mas chamar mulher de vaca, assim, sem o menor pudor, me parecia bem pouco cristão. Um amigo me explicou: “vaca” é o termo utilizado por surfistas para denominar aquilo que os comuns dos mortais conhecem como caldo ou capote, a saber: ser arrastado pela onda, girando, engolindo água, areia e estrelas do mar. O que eles querem dizer - em portunglês - é que surfam bem. Por que raios alguém comunica aos outros motoristas suas qualidades surfísticas, isso meus amigos não souberam explicar.
Nos últimos meses achei que a doença estava piorando. Em vários carros via um pequeno emaranhado de fios e bolinhas, uma espécie de ideograma cambojano, coisa estranhíssima. Já não era apenas o sentido do adesivo que me escapava: os próprios caracteres estavam embolados. Mais uma vez os bons amigos me explicaram, pacientemente: o emaranhado era um contorno da Virgem Maria, envolta por um terço. Ahhh...
Curioso. Um arqueólogo que tente decifrar nossos dias daqui a milênios ficará confuso. Baseando-se nos carros encontrados nas escavações, dirá que o começo do século XXI assistiu a uma acirrada divisão da humanidade, entre cristãos e praticantes de esportes aquáticos. E, caso encontre, no porta-luvas de um automóvel, as páginas amareladas deste guia, verá que enquanto uns pregavam a salvação celestial e outros alardeavam suas habilidades aquáticas, havia quem assistisse a tudo com os dois pés atolados na areia movediça da perplexidade. Tempos estranhos aqueles...
Antonio Prata, no Blônicas.
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18.10.08
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