Vejam só como eu sou ingênuo: uns tempos atrás, em Nova York, acordei pelas dez da manhã, saí para a rua e encontrei dezenas e dezenas de jornalistas à minha espera. Eu, pelo menos, acreditava que sim. E acreditava mais: num acesso de megalomania, julguei que a Academia Sueca resolvera reconhecer, pela primeira vez na sua história, a crônica como gênero literário digno de um Nobel.
Puro engano. Olhando em volta, descobri que o meu hotel ficava ao lado da sede da Lehman Brothers. Ali, a dois passos da minha cama, Wall Street entrava pelo buraco. Limitei-me a sorrir e, levemente ressacado, marchei para a Starbucks mais próxima, em busca da cafeína redentora.
Por que motivo sorria eu?
Não pretendo abismar os leitores desta Folha com meus conhecimentos econômicos, aliás primitivos. Mas posso confessar, de alma aberta, que a presente crise financeira estava escrita nas estrelas!
Eu sei que os leitores estão cansados da crise e não estão dispostos a ler mais uma análise sobre ela. O vocabulário é esotérico ("leverage", "toxic debt", "shorting") e o caos geral dos mercados tem reflexo direto na cabeça histérica dos comentadores.
Mas é importante, no meio do nevoeiro, começar por dizer que a crise financeira atual não é, apenas, uma crise financeira. É também uma crise política, que nasceu diretamente de uma concepção igualitária de sociedade que só podia terminar pessimamente.
Essa concepção nasceu no seio de várias administrações americanas que, nos últimos anos, movidas por noções aberrantes de "igualdade" social, entendiam ser possível operar o milagre da multiplicação do consumo.
Comprar casa, por exemplo, não era o resultado de anos de trabalho, poupança e investimento esse trio que, infelizmente, não está ao alcance de todos. Comprar casa era um direito e, mais, um dever. E como cumprir esse dever, que permitia, ainda por cima, fazer de cada investimento um novo negócio para um novo investimento?
Ninguém tem recursos ilimitados; mas houve, pelos vistos, empréstimos ilimitados: bancos que emprestavam a bancos que emprestavam a bancos que emprestavam a privados. Quando os empréstimos começaram a não ser pagos (inevitável); e quando o mercado imobiliário, depois da euforia, começou a derreter (idem), o mundo acordou para a evidência de que a única coisa que começava a faltar no sistema era, tão simplesmente, dinheiro.
Não foi a ganância de Wall Street que pariu a crise presente. Foi a ganância de toda a gente: governos, bancos, pessoas.
A euforia terminou em depressão e hoje, com a economia mundial à beira do abismo, talvez só um plano global de intervenção pública na banca possa evitar o descalabro. Um plano de emergência que, como todas as emergências, deve ser forte e temporário.
Mas seria um erro passar pelo momento atual sem aprender as suas lições. Quais? Dos governos, espera-se que aprendam como é perigoso e abusivo projetar construções ideológicas equitativas no funcionamento impessoal do mercado. Das pessoas, espera-se que relembrem o que têm e o que podem gastar, esse cálculo mínimo que é a base de qualquer economia doméstica. E, da banca, espera-se apenas que o velho equilíbrio entre prudência e risco possa regressar. De preferência, sem as pressões de cima ou as ilusões de baixo.
Uma receita básica? Precisamente. Mas, às vezes, é necessário começar pelo básico.
João Pereira Coutinho, na Folha Online.
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14.10.08
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2 comentários:
É, a meu ver tem crises que são bençãos, outras nem tanto, outras são políticas, outras são fabricadas. Será que o sistema não gerou essa crise para que o caos se instale e o govêrno que vem por ai, não venha a se impor como uma nova ordem mundial?Isso é uma pergunta, quem souber, me responda, por favor.
Lembrei-me do Govêrno de Hitler, não sei porque?
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