Miriam e eu estávamos, ontem, diante de um aparelho de televisão assistindo o Culto Comemorativo aos 90 anos de fundação, por missionários suecos, das Assembléias de Deus em Pernambuco. O templo central superlotado. 4.000 pessoas do lado de fora acompanham por telões. Coral, banda, testemunho, mensagem, um falar em língua sem exageros, a condução firme do pastor-presidente. Eles se preparam, também, para o centenário nacional em dois anos. Em menos de um século aquele punhado de paraenses, liderados por dois casais de escandinavos, se tornara a maior expressão não católica romana do Cristianismo no Brasil, presente em todos os rincões do país.
Nas últimas semanas, tenho escutado uma de suas emissoras de rádio em nosso Estado. Ouço não somente mensagens evangelísticas, de consolação ou de libertação, mas muitos programas de ensino, de doutrinação; muitos programas sobre a sua história, programas apologéticos em relação a seitas e cultos e ao pseudo-pentecostalismo. Enfim, uma Igreja com uma identidade consciente, e determinada a preservá-la, diante dos desafios externos e internos. No âmago dessa identidade a forma episcopal de governo, com as congregações de uma região sob a autoridade inconteste “do pastor” (como se referem, com reverência e amor, ao pastor-presidente).
Quero me congratular com as Assembléias de Deus, e desejar que sejam cobertas pelas bênçãos de Deus. Faço esses votos com sinceridade, apesar de não concordar com o seu arminianismo, seu pré-milenismo e seu legalismo, e lamentar o seu recente fracionamento em tantos e diversos “ministérios”, fruto do caudilhismo religioso.
E, por que me referir às Assembléias de Deus no dia em que comemoro onze anos de Instituição e Posse como Bispo Diocesano (o pastor-presidente, Airton José Alves, comemora dez anos no seu cargo), além do fato de que o orador com maiores afinidades temáticas e de posicionamentos comigo, nesses últimos anos, tem sido, justamente, aquele líder assembleiano pernambucano?
História, Identidade, Liderança Episcopal.
C. S. Lewis, no fim de sua vida terrena, externa a sua profunda preocupação com as gerações que ignoram a história e desprezam as tradições, pretendendo começar tudo do zero, se isso fosse possível, e não fosse sempre trágico.
Todo historiador honesto da Igreja reconhece que ao final do segundo século, em todos os lugares onde se fazia presente o Povo da Nova Aliança, quatro pilares caracterizadores estavam estabelecidos: 1. O Cânon Bíblico; 2. Os Sacramentos; 3. As Doutrinas contidas nos Credos; 4. O Governo Episcopal. E assim se manteve por um milênio e meio, até a Reforma Protestante, e a invenção dos governos presbiteriano e congregacional, resultado de uma visão inadequada da História, idealizada do texto bíblico, e condicionada pelo contexto e ideologia de uma nova classe emergente.
Por um lado, na atualidade, essas marcas são encontradas na absoluta maioria da Cristandade: os quatro ramos do Oriente (Assírios do Leste, Pré-Calcedônios, Bizantinos e Uniatas), a Igreja de Roma e os seus Cismas, o Anglicanismo, parte do Luteranismo. Por outro lado, o último item, sem sua Sucessão Apostólica Sacramental, e a despeito da diversidade de nomenclatura (Bispos, Superintendentes, Pastores-Presidentes) é encontrado em parte do Luteranismo, no Metodismo e seus derivados, em Igrejas Pentecostais. O dano causado pela ausência do Episcopado está resultando em seu retorno (um tanto desengonçado) em “bispos” e “apóstolos” de Igrejas pentecostais e pseudo-pentecostais, a suprir um carisma de origem divino.
É aí que entra a crise da secularização eclesiológica, que marca o denominacionalismo de origem norte-americana. Ali está uma cultura fortemente individualista (do cowboy solitário), do empreendedorismo (self-made man), e de uma visão de “livre iniciativa” do capitalismo de mínimos controles, com as melhores técnicas disponíveis que conduzam ao êxito. Conseqüência: naquele país se pergunta à Bíblia sobre quase tudo (o ensino social, a bem da verdade, é meio “esquecido”) menos sobre a natureza da Igreja, e esta é apenas associada à comunidade local, aberta às mil formas que a criatividade e Tecnologia – não a Teologia – julgar recomendável.
E os dois mil anos de História? E o consenso dos féis? E todos os pensadores do passado? E a presença ininterrupta do Espírito Santo? E a realidade das instituições religiosas cristãs mundiais hoje? São perguntas que parecem não lhes fazer sentido.
A coisa se foi disseminando por outras regiões, em nossa era globalizada, inclusive marcada pela negação à autoridade do Estado, dos pais ou dos professores. E, se é considerado óbvio que a instituição do Estado, a instituição da família ou a instituição do trabalho são instituições válidas, em uma simetria entre os seus componentes e os seus sistemas, quando se trata da Igreja, contudo, gerou-se um dualismo de fundo platônico entre, de um lado “o povo”, e, do outro “a instituição” (em termos de “bem” e de “mal”).
A conclusão é que alguns muito conservadores (fundamentalistas, até) em todas as outras áreas da Doutrina, defensores a ‘unha e dente’ do ensino bíblico e da tradição apostólica mantida pela Igreja, com a assistência do Espírito Santo, através dos séculos, quando se trata de Eclesiologia, da Doutrina da Igreja, são exatamente isso: Liberais. As suas fontes e as suas visões são apenas e absolutamente seculares (com ocasionais versículos bíblicos funcionando, a posteriori, como ‘azeitona em empada’...).
Tento ser Bispo há onze anos, em um espaço regional que foi marcado por um “líder”, que, sob o pretexto de combater um bispo liberal, envenenou a comunidade dos fiéis contra a própria instituição do Episcopado... a não ser que ele próprio fosse o ocupante. Para aquele “líder” o Bispo não passaria de uma figura ornamental, simbólica, com umas roupas esquisitas, a assinar papéis e celebrar sacramentos, com cada comunidade (e seus dirigentes locais) decidindo, livremente, que tipo de relacionamento e que conteúdo de autoridade “permitiriam” ao indigitado Bispo. Um clérigo pessimista uma vez me falou com caridade: “Trabalhe bem Bispo, que, um dia, o sucessor do seu sucessor será um Bispo Anglicano pleno”. Tenho tentado trabalhar bem, e temos avançado, almejando que não precisaremos de tantas gerações para ser.
É por registrar esse legado negativo local ainda em processo de superação, é por registrar o Liberalismo Setorial da Eclesiologia, que, no dia do aniversário do meu Episcopado, me dou ao direito (humano, é verdade!) de sentir uma certa “inveja santa” do Pastor-Presidente Airton José Alves e de sua Assembléia de Deus, mas também uma esperança santa (espiritual, é verdade!), que as coisas velhas passarão (e as coisas equivocadas atuais também), e que tudo se fará novo, na unidade dessa parcela do Povo de Deus, que (acreditem) Ele tem um propósito exemplar e terapêutico no confuso cenário religioso brasileiro.
A Deus toda glória!
A todos minha gratidão e meu abraço!
Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.
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21.10.08
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2 comentários:
Talvez eu não tenha compreendido bem o texto... ou quem sabe sou leigo demais no assunto... mas se alguém me disser que a falta de líderes do eclesiásticos nesse imagem de novos apóstolos e bispos (como temos visto) é o problema da igreja... eu vou no mínimo duvidar muito da sanidade da pessoa... me perdoem a ignorância.
Finalmente leio neste Blog algo coerente e consciente sobre as igrejas evangélicas no Brasil, especialmente sobre a quase centenária Assembléia de Deus, da qual orgulhosamente faço parte. Tenho lido aqui muita insensatez e até piadas de mau gosto sobre a nação evangélica. Parabéns ao autor deste precioso texto.
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