12.10.08

“Salvos” em Guadacanal?

Um milionário norte-americano, na segunda metade dos anos 1930, pressentindo a eclosão da Segunda Guerra Mundial, contratou um grupo de especialistas em Geopolítica para lhe assessorar na escolha do lugar mais seguro no mundo para escapar dos efeitos da guerra. Depois de muita investigação, o grupo – do mais alto nível – chegou à conclusão unânime, apontando para uma remota ilha do Pacífico sul, paradisíaca, com belas praias de águas mornas, brisa e frondosos coqueirais. O nome da ilha: Guadacanal. Quem conhece a história da Segunda Grande Guerra sabe que ali se travou uma das mais sangrentas batalhas entre norte-americanos e japoneses, não escapando nem folha de coqueiro...

É válido tentar escapar das crises da História? Há, por acaso algum lugar seguro, onde se esteja “a salvo”?

Martin Nimoeller, que foi pastor luterano (e depois bispo) e integrante da resistência ativa não violenta contra Hitler e o Nazismo, quando de sua prisão, escreveu: “Vieram prender os judeus. Como eu não era judeu, fiquei na minha. Vieram prender os comunistas. Como eu não era comunista, fiquei na minha. Vieram prender os socialistas. Como não era socialista, fiquei na minha. Vieram prender os católicos. Como não era católico, fiquei na minha. Finalmente, vieram me prender, e não havia mais ninguém para me defender”.

Nicolau Berdiaeff, intelectual leigo da Igreja Ortodoxa Russa, e exilado em Paris, fugindo dos comunistas, escreveu: “As sangrentas revoluções materialistas contemporâneas são um aguilhão de Deus contra o seu povo, que não promoveu as reformas pela justiça social, quando teve oportunidade para tanto”.

Karl Barth foi quem disse que um cristão maduro é aquele que carrega a Bíblia debaixo de um braço (o recado eterno de Deus) e o jornal do dia (os problemas conjunturais dos homens) debaixo do outro. Assim ele pode tornar a fé relevante para a sua geração.

Há pouco, uma profissional de nível superior, pertencente à outra denominação, vendo a nossa luta contra o Liberalismo na Comunhão Anglicana, perguntou: “Não é melhor deixar tudo isso para lá, e se concentrar em pequenos grupos de estudo bíblico, compartilhar e oração?”. É justamente assim, que, ao longo da História, pela omissão dos bons em uma “zona de segurança”, pretensamente imune às dores e sacrifícios, que o mal fica livre para avançar, e, finalmente... Atingir aos que, em suas “confrarias de iguais” (Baboeff), se julgam “a salvo”...

O Cristo que chama e transforma, é o Cristo que nos envia para o meio de lobos, enquanto o joio continua a crescer internamente ao lado do trigo.

Ricardo Gondim tem escrito sobre a tentativa impossível das Igrejas pseudo-pentecostais de criar uma vida sem dor, sem pobreza, sem problemas, sempre vitoriosa, com os cristãos imunes às vicissitudes da existência.

O que aconteceria a uma criança que seu pai procurasse evitar que ela levasse tombos e se machucasse? Ela nunca aprenderia a andar!

A afluência capitalista, consumista, hedonista, das últimas décadas produziu uma geração “segura” em seus objetos materiais, não dependente de Deus.

Se há pais super-protetores, há, semelhantemente, pastores super-protetores, mantendo as suas sempre infantes ovelhas dentro de bolhas à prova dos micróbios da vida. Micróbios que lhe chegam por livros, revistas, palestras na TV, Internet, que devem ser censuradas. As sempre infantes ovelhas somente podem ouvir o que os seus mestres-protetores permitem, em uma “santa censura”. As ovelhas sempre infantes são mais fáceis de serem conduzidas, mas, serão elas sólidas e maduras discípulas, preparadas para os embates da vida e da História, que nos requerem profetas e apologetas (para combater os erros de fora), e polemistas (para combater os erros de dentro)? Ovelhas que, muitas vezes não sabem, sequer, a que “raça” pertencem?...

Uma Teologia e uma Espiritualidade de Encarnação (“assim como o Pai me enviou, eu vos envio a vós”), nos conduzem aos vales e as aldeias, aos fariseus e aos publicanos, à proclamação, ao ensino, à cura, à libertação demoníaca, à cruz e à ressurreição... que prossegue com o Pentecostes.... e com novas cruzes, em uma missão do Corpo, para além dos currais.

A situação do mundo e a construção de igrejas-abrigos me fazem recordar um texto-advertência, que li na minha adolescência, que se intitulava: “Lembrai-vos de Guadacanal!”.

“Não rogo que os tire do mundo, mas que os livre do mal” (Jo 17:15).

Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.

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Um comentário:

Volney Faustini disse...

Outro dia numa rodinha, estávamos ouvindo o relato de uma irmã que se mudara para o Rio (saindo aqui de São Paulo) e não é que foi se 'instalar' perto do olho de um dos furacões (com guerra do tráfico, intervenção da polícia ...).

A primeira coisa que me veio à mente foi o verso citado da oração sacerdotal de Jesus. O pessoal ficou meio espantado!

Será que estamos muito acomodados e nem percebemos que onde estivermos somos mensageiros do Reino??

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