27.1.09

Deus provavelmente (não) existe

A estupidez humana não cessa de me espantar. Leio na imprensa do dia que uma associação "humanista" da Grã-Bretanha lançou em Londres uma campanha pública para defender a provável inexistência de Deus. A ideia foi escrever nos ônibus da cidade duas frases de arrasadora profundidade filosófica: "Deus provavelmente não existe. Por isso, deixa de te preocupar e aproveita a vida".

A tese espanta, não apenas pela infantilidade que a define --mas pela natureza ilógica que a contamina. Se Deus não existe, haverá necessariamente motivos para celebrar?

Os mais radicais "philosophes" do século 18 concordariam que sim. O próprio projeto iluminista, na sua crítica à instituição religiosa como autoritária e obscurantista, defendia que a libertação dos Homens passava pela libertação do divino. Nem todos os "philosophes" eram ateus, é certo: Rousseau ou Diderot, impenitentes "deístas", não são comparáveis a La Mettrie ou Helvétius. Mas o iluminismo continental abriria a primeira brecha na cultura ocidental, ao retirar a Fé do seu trono e ao coroar a deusa Razão.

Foi esse gesto primordial que tornaria possível as devastadoras críticas posteriores do trio maravilha (Feuerbach, Marx e Freud). Deus criou os Homens? Pelo contrário: Deus é uma criação dos Homens por razões várias e todas elas racionalmente explicáveis.

Os Homens criaram Deus por temerem a sua própria mortalidade (Feuerbach). Os Homens criaram Deus por contraposição às condições materiais das suas existências precárias (Marx). Os Homens criaram Deus por puro sentimento de culpa: parricidas arrependidos, eles buscam ainda uma autoridade perdida; Deus é o "fétiche" infantil de quem se recusa a viver uma vida adulta (Freud).

Infelizmente, aparece sempre alguém para estragar a festa. Falo de Doistóievski, claro, disposto a contrariar o otimismo liberal da burguesia russa oitocentista, para quem Deus era um empecilho de modernidade. Pela boca de Karamazov, Dostoiévski formularia a pergunta que Feuerbach, Marx, Freud e também Nietzsche se recusaram a enfrentar: e se a ausência de Deus significa também a ausência de qualquer limite ético para a acção humana?

Essa possibilidade seria confirmada no século seguinte: um século devastado por grandes construções coletivistas, utópicas e rigorosamente ateias que libertaram um fanatismo e uma crueldade indistinguíveis do fanatismo e da crueldade das antigas religiões tradicionais.

Quando os Homens não acreditam em Deus, eles não passam a acreditar em nada; eles acreditam, antes, em qualquer coisa, como dizia profeticamente Chesterton. Antes de festejarmos a provável inexistência do barbudo, convém saber o que essa coisa será.

João Pereira Coutinho, na Folha Online.

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7 comentários:

Anônimo disse...

Até que enfim você resolveu publicar algo pró Deus. Eu já estava cansado de ver o ateísmo reinante no seu blog.

berna disse...

Estou cansada de dizer que DEUS existe, o que posso fazer, nada, deixo em paz os ateus. Pior é ficar em cima do muro.

Roger disse...

Também com um exemplo tão ruim que a religião em nome de Deus, trouxe ao mundo, até quem acredita em Deus, precisa de um ateísmo sadio desse deus-religião...

O deus que o mundo nega, e diz não acreditar, é o deus criado pelo homem... nesse, nem eu acredito.

O problema dos ateus, é o mal exemplo dos crentes.

Christiane disse...

O problema que eu tenho notado na maioria das pessoas que se dizem:decepcionadas com Deus,Ateus,etc..
É a falsa esperança que algumas religiões pregam!
A tal teoria da prosperidade e por ai vai...
As pessoas estão indo as igrejas para que Deus as cure,as deixem ricas,dê aquilo q elas pedem,que na maioria das vezes não vai de acordo com o que a Bíblia fala pra pedirmos a Deus em oração.
É triste....
Mais é real!

Unknown disse...

Ai que turminha colegial...
Ateu por falta de esperança? Faz-me rir!

Gustavo A. de Miranda disse...

Meu querido, sinto discordar de você. O que ocorre, sobretudo com ateus, é justamente o contrário: eles desenvolvem um senso crítico (e cético) bastante aguçado para não acreditar em qualquer coisa. Isso dito, vem o mais importante. Ética e moral não estão atreladas exclusivamente a crenças em deuses. O livro de Umberto Eco e o bispo Carlo Martini ilustra bem isso (em que crêem os que não crêem). Ou seja, esse discurso já está batido e não encontra, na história humana, nenhuma corroboração. Basta notar que os piores, os mais amorais e não éticos, delitos da história foram cometidos justamente por pessoas que acreditavam estar fazendo a obra de deus. Um abraço, Gustavo.

Anônimo disse...

Acertou quem escreveu, sobre o mal exemplo dos crentes, porém quando lembro o que é a natureza humana. Mas forte deveria ser a crença na existência desse Deus.

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