Jacira tinha um talento. Era a melhor vendedora de sutiãs do bairro. Quiçá do mundo. Via, diariamente, peitinhos de tudo que é tipo e sempre sabia qual sutiã faria o milagre de levantar aqueles mais jururus. Mas algo a atormentava. Sua religião, rígida e conservadora, a deixava confusa quanto à dignidade de seu ofício. Por que deus foi dar um dom tão estranho pra ela?
Defendia a castidade, achava que mulheres deviam viver pelo marido, entendia que homens fazem besteiras porque são homens. Mas quando entrava na loja, pedia perdão após cada venda. Principalmente as más intencionadas, no ponto de vista dela, claro.
Dava de tudo na loja. As sem-peito querendo um engana-bofe, cheio de enchimento. As M, as vesgas, os peitocos com formato de escorregador, os bem redondos, os murchos, os que invadiam a área do sovaco, os que davam oi pro umbigo e os falsos, que davam oi pro queixo. E por mais que olhar tetas alheias não fosse um passatempo legal, ela entendia da coisa. As clientes saíam sempre satisfeitas, seguras e empinadinhas. Ainda que pura enganação.
- Moça, preciso de um sutiã bem sexy, pra uma ocasião especial.
- Aniversário de casamento?
- É, mais ou menos. Pra comemorar.
Ela coçou a orelha, desconfiada. Sentiu cheiro de Pinho Sol ali. Aquela era puta na certa. Ofereceu um conjunto completinho, com corpete, cinta-liga, tudo rendado, pequeno, enfiado.
- O que acha desse?
- Nooooossa, é isso mesmo.
Mais uma mulher feliz saía da loja, pronta pra esquecer as celulites, estrias e assumir o posto da mais gostosa do mundo. Ao menos no quarto onde estivesse. E Jacira corria para os fundos, pedia perdão, rezava tudo que sabia e voltava ao trabalho, pensando que precisava de dinheiro para completar o enxoval pra casar com Murilo.
Nesse dia mesmo, ela recebeu uma visita.
- Oi, Jacira, lembra de mim?
- Claro, claro. Dona Celeste. Tudo bem?
- Tudo ótimo, Jacira. Lembra que vim aqui comprar um sutiã pra reconquistar meu marido?
- Sim, se lembro. Me conta, como foi?
- Foi um sucesso.
- Ele gostou foi?
- Nada, aquele bosta nem reparou. Pra mim foi a gota d’água. Terminei tudo.
- Sangue de Jesus tem poder!
- Pois é. Larguei meu marido, estou muito feliz.
- A culpa foi minha...
- Culpa nada, Jacira. O mérito é teu. Aquele sutiã levantou mais que esses peitinhos aqui. Levantou minha moral, empinou até meu nariz. Cansei de ficar querendo agradar homem. E justamente quando pensei em mim, quando vi que posso me cuidar, que sou sim uma mulher bonita, me aparece o Dório.
- Dório? – a voz de Jacira mal saía.
- Um vizinho meu. Não aconteceu nada não. Mas acho que vai. Tem um clima rolando, sabe? Mas nem tô esquentando demais. Tô deixando acontecer, sabe como? Voltei a malhar, a ir ao cinema, a sair com meus amigos.
- É, vendo assim não parece tão ruim.
- Que ruim que nada, mulher. Ó. Vim pra agradecer e dizer que te indiquei pra tudo quanto é amiga.
- Ah, muito obrigada.
Era informação demais para Jacira. Deus não ia deixar essa passar. Alguma coisa ruim iria castigá-la. Em vez de esperar a vingança nos céus cair sobre sua cabeça, ela mesma providenciou uma penitência. Se absteve de comer doces, sua paixão, sua fuga para a falta de sexo, até o casamento. Mal sabia que isso seria o começo do fim.
Sem doces, Jacira começou a ficar triste, irritada. Passou a brigar com Murilo à toa. O trabalho rendeu menos. Um dia chegou a chamar o motorista do ônibus de burro. Precisou tomar uma decisão radical. Largou o emprego, se casou logo e abriu um negócio do lado da igreja. Deu à loja o nome de Levantai. Continuaria vendendo sutiãs, mas agora, apenas para mulher casada.
O negócio foi um sucesso. As discípulas de seu templo adoraram a idéia e viraram clientes assíduas após os cultos. Quem não resistiu à descoberta da feminilidade e da sexualidade das mulheres foi a igreja. Fechou em três meses.
Elisa Quadros e Valeria Semeraro, no Redatoras de merda.
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17.1.09
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