28.2.09

O sofá faz a casa

“Este sofá pertenceu à Hebe Camargo,” me avisou a vendedora nos fundos da loja de móveis usados.

Não levei muito a sério. Ela já tinha me mostrado um fogão que pertencera à Ofélia, uma bancada do Cid Moreira e a cama da Monique Evans.

“Compramos muita coisa de um cenógrafo aposentado. Os móveis na TV são usados pouco tempo, logo o pessoal muda o cenário e tem de se livrar de peças novinhas. O sofá foi tão pouco usado no programa que nem a Alcione chegou a sentar nele.”

A mim, o móvel parecia bem surrado. Mas era grande, dava pra deitar tranqüilamente na frente da TV. E estava em conta. Naquele meu estágio de endividamento – e com casamento marcado – precisava encontrar maneiras baratas de mobiliar a casa.

“Que sofá mais encardido!” disse minha noiva ao ver o troço na sala.

“É peça histórica. Pertenceu à Hebe.”

“Hebe Camargo?” perguntou ela, como se houvesse outra. Depois se sentou no sofá, testando as molas. “É grande... dá pra deitar na frente da TV...” constatou.

O sofá foi aceito. E poucas semanas depois estávamos casados, instalados, com a casa mobiliada. (Cheguei até a comprar uns banquinhos do Programa Raul Gil.) Minha esposa não ficou inteiramente satisfeita em ter móveis de segunda mão, nenhuma mulher ficaria, mas ainda assim, aproveitava o folclore, e convidava as amigas para tomar café no sofá da Hebe.

“Parece que foi nesse sofá que o Chico Xavier previu a queda das Torres Gêmeas,” disse uma amiga espírita.

“Neste sofá é que Leandro e Leonardo cantou ‘Entre Tapas e Beijos’ pela primeira vez,”, colocava outra.

Todas tinham uma lembrança mais estapafúrdia sobre nosso humilde sofá, mas isso não era problema, o problema era SEMPRE ter convidados em casa. Eu chegava do trabalho, havia meia dúzia de comadres fuxicando. Minhas noras e sogra passavam todos finais de semana literalmente tricotando no sofá. Não havia nem espaço para mim. Eu me esforçava para não reclamar; até porque, minha sogra se tornara estranhamente simpática comigo. “Filha, seu marido é mesmo uma gracinha,” dizia ela entre os dentes travados. Mas quando um dia ela tentou se despedir com um selinho, comecei a achar que havia algo de muito errado naquela casa.

“Querida, precisamos conversar. Essa história de sofá da Hebe está indo longe demais...”

“Mas você sempre gostou do sofá. Dizia que é grande, dá pra deitar...”

“Exatamente, e nem tem mais espaço pra mim!”

Minha mulher me interrompeu. “Conversamos sobre isso daqui a pouquinho, porque agora tenho um recadinho pra dar. Você sabia que a água da torneira contém centenas de bactérias, ferrugem, e outros resíduos que saem dos canos?”

“Ah?”

“Por isso é importante ter um bom purificador de água em casa. Olha só esta promoção: Ligando agora...”

Eu não podia acreditar, agora tínhamos merchandising dentro de casa!

Tudo aquilo foi, pouco a pouco, destruindo meu casamento. Eu não tinha mais privacidade com minha mulher, nem espaço para me deitar no sofá e assistir Esporte Espetacular. A gota d’água veio no meu aniversário. Cheguei em casa e havia uma festa surpresa, meus amigos e parentes reunidos, sentados no sofá. E sobre a TV, um aparelho de videokê.

“Olha o que a gente trouxe pra te animar! Você anda tão pra baixo; vem cantar com a gente!”
Logo meus primos e colegas da firma estavam bêbados, cantando “Alma Gêmea”, do Fábio Jr.Aquilo foi o fim. Aproveitei que todos estavam entretidos e disse adeus àquela casa. Não fiz nem a mala. Apenas peguei meu banquinho e saí de mansinho.

Santiago Nazarian

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