21.3.09

Em defesa do arcebispo

DIRIJO-ME A V. REVMA. , dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, para, "in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti", louvar o seu destemor e coerência ao proclamar a verdade revelada e guardada através dos séculos pela Igreja Católica Romana.

Em oposição àqueles que não foram iluminados pela revelação divina e que se apressaram a atacá-lo com argumentos da efêmera sabedoria humana, V. Revma. pensou e agiu de forma milenar, com base na rocha imutável sobre a qual a igreja foi construída.

Nessa circunstância, o senhor aparece como o legítimo representante da igreja e as suas palavras soam como um coral gregoriano, eternas e sempre as mesmas, à semelhança da monotonia da música das esferas celestes. Não são palavras de um indivíduo. É a igreja que fala por meio da sua boca. E esta é a razão por que o Vaticano confirmou os seus atos.

O que aconteceu? Uma menina de nove anos vinha sendo abusada sexualmente pelo seu padrasto desde os seis anos de idade. Ficou grávida de gêmeos. Levada aos médicos, eles concluíram que um aborto se fazia necessário porque a vida da menina estava em jogo. Assim afirma a ética médica: estando em jogo a vida de um feto e a vida da futura mãe, a vida da mãe tem a prioridade. É preciso que a vida da mãe seja salva.

Informado do acontecido. V. Revma. tomou as providências exigidas pelas leis da igreja -que afirmam o contrário: a vida do feto, por diminuto e ínfimo que seja, tem sempre prioridade sobre a vida da mãe, por mais filhos que ficariam órfãos no caso da sua morte.

Assim, V. Revma foi fiel à igreja: excomungou a mãe da menina por ter permitido e a equipe médica por haver realizado o aborto.

Aqueles que não conhecem a verdade revelada se espantaram com fato de que o estuprador padrasto tenha ficado fora da maldição da excomunhão. Mas V. Revma. explicou que o estupro não é punido com a excomunhão porque, por violento e cruel que possa ser, ele não tira uma vida. Pode mesmo acontecer que do estupro até surja uma nova vida...

Os médicos se surpreenderam com a excomunhão lembrando que as leis do país foram obedecidas. V.Revma. refutou: "A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Quando uma lei humana (...) é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor". Em outras palavras: as leis do Estado só devem ser obedecidas quando concordam com as leis da igreja.

Em outros tempos o senhor poderia ser acusado de estar incitando à desobediência civil, à subversão, porque a ética que se encontra por detrás dos atos subversivos vem da crença na ilegalidade e, portanto, na ilegitimidade do Estado.

O senhor concordará que há um conflito entre a pretensão da igreja de ter o monopólio total da verdade e a democracia? Pois na democracia são os homens e não Deus que estabelecem as leis. O sonho político da igreja não é uma teocracia em que as leis são estabelecidas por ela e o Estado secular leigo é abolido? A igreja não sonha com a sua volta ao poder e a abolição da democracia?

Tremo pensando no futuro eterno que aguarda os excomungados. A eles está proibida a participação na eucaristia, veículo da graça. Estão, assim, condenados ao Inferno eternamente. Mas isso, condenar uma pessoa eternamente a um Inferno de Fogo, não será mais cruel que um aborto?

Mas sinto que sua consciência está em paz. Não foi o senhor que excomungou. Foi a igreja.

Rubem Alves, na Folha de S.Paulo.

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3 comentários:

Leone Lacerda disse...

Errado. Um estupro tira uma vida.

Anônimo disse...

Façamos o seguinte:

Despedaçamos os homossexuais,
retalhamos as noivas não virgens,
queimamos os hereges,
alienamos os ateus,
estigmatizamos os poetas.

Depois, postamos vários textos sobre o amor de Deus; convidamos as pessoas para que experimentem a graça e afirmamos que os que rejeitarem a nossa oferta vai queimar eternamente no inferno.

Não é legal?

Anônimo disse...

Ops, errei. Não quero ser mais um a despetalar a língua de Camões:

"... os que rejeitarem a nossa oferta VÃO queimar no inferno".

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