Futebol, contingência e o Divino
Sou torcedor não fanático, mas devoto, do maior e melhor time do Brasil, o Corinthians. Dedico ao Timão alguns superlativos: eficientíssimo, grandessíssimo, gloriosíssimo. Não há como negar, o meu clube é tão especial que nem os lugares-comuns distoam: “a única esquadra que não tem torcida, mas uma nação”; “exemplo de desorganização que sempre dá certo”; “quem melhor representa o espírito maloqueiro nacional”; “encarnação de perseverança e fidelidade”; “não somos uma arquibancada, mas os Gaviões da Fiel”.
Futebol tem poucas regras, não requer equipamentos sofisticados (os pobres fazem bolas estofando meias velhas) e pode ser jogado em qualquer terreno. Em seus primórdios, era tão sofisticado quanto o golfe nos dias atuais; no Brasil, apelidaram-no de futebol society porque atraia a burguesia. Hoje, mexe com o povão. Mas o que existe nele que nos enferma de paixão? Qual a mágica do jogo para extasiar multidões, de intelectuais a analfabetos?
Simples! Imprevisibilidade. No futebol, só se conhece o resultado de uma partida depois que o juiz apita o fim. A qualquer instante o impensável pode acontecer. E nem sempre o mais forte ganha. A famosa zebra existe, e vez por outra arruína com os prognósticos mais precisos. Quando duas equipes entram em campo, uma displicência pode alterar definitivamente o placar final. Se logo no início, o mais fraco marcar um gol, basta que fique na retranca, e por mais que o adversário tente não consegue reverter o escore.
Onde fica a relação do futebol com Deus? Na questão da imprevisibilidade. Deus tem ou não tudo sob controle? Se tem, o campeonato estadual, a qualificação para a próxima Copa do Mundo e o capitão que vai erguer o Caneco estão sob seu absoluto domínio. Acontece que ninguém de sã consciência concebe que oração, mandinga, sinal da cruz e despacho em encruzilhada sejam eficazes para direcionar o que acontece dentro das quatro linhas do relvado (se macumba ganhasse campeonato, o da Bahia terminaria empatado).
Exatamente! O magnífico do futebol são os acidentes de percurso. Em filosofia, acidente de percurso chama-se contingência. Contingência, portanto, é aquilo que é ou pode ser, mas não é necessário. Em outras palavras, não existe causa ou razão para que determinado evento aconteça. Um gol do Corinthians aos 48 minutos do segundo tempo, que o classificou para a final pode ter sido apenas um acaso. E nenhuma divindade, por mais poderosa e soberana que seja, necessita ser reivindicada para explicar o golaço – motivo da alegria para uma Nação, mas de infelicidade para os adversários.
Basta que se mantenha a lógica. Se em uma trivialidade, como a vitória de um time, não cabe reivindicar o controle divino, porque em outras, sim?
Não existe meio termo. Contingência esvazia a possibilidade de destino, maktube, predestinação, carma ou soberania. O contrário também é verdadeiro. Quando se aceita que Deus ordena todas as coisas e usa os acontecimentos para conduzir a história a um fim predeterminado, não existe contingência, acidente, acaso ou sorte.
Restam algumas perguntas: Os ganhadores das loterias cumprem algum propósito eterno? O médico incompetente que deixou a mulher tetraplégica agiu com o consentimento de Deus, para o seu bem? O obscuro jogador, que será guindado ao estrelato com a arrancada que fez a bola beijar o filó nos últimos segundo do jogo, foi auxiliado por um anjo? Algumas pessoas confessam o absoluto controle de Deus e ficam zangados com quem questiona suas afirmações. Não se deve discutir religião, política e futebol, apenas perguntar se tais lógicas valem para todas as esferas da vida, inclusive, as triviais.
Acredito que vivemos em um mundo contingente. Aceito que liberdade só é possível quando há acaso. Assim, não atribuo os acontecimentos que me rodeiam à vontade de Deus. Não acho que Deus, lá de cima, micro-gerencie a terra, semelhante a um títere onipotente. Discordo que Ele diga: “Isso eu deixo acontecer, porque me interessa” (vontade permissiva, no teologuês); ou: “Isso eu quero - ou não quero - que aconteça porque será importante para os meus planos – (vontade ativa).
Creio que Deus se relaciona com os seus filhos e filhas a partir de outra conexão. Para que seja possível aos humanos criar, inventar, escrever poesia, aprender a praticar justiça, é necessário que Ele consinta com a liberdade. O Deus creator convida a humanidade para ser parceira na construção da história. Javé não brinca de “faz-de-conta”.
Quando sofremos, Deus sofre. Quando nos alegramos, Deus rejubila ao nosso lado. Quando guerreamos e milhões morrem desnecessariamente, Deus perde. Quando somos bons, solidários e justos, Deus ganha.
Na próxima vitória do Corinthians, Deus vai pular de alegria comigo; sem desprezar as lágrimas dos sãopaulinos, palmeirenses e santistas.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim
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25.4.09
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8 comentários:
O cara é inteligentíssimo, compreende Deus muito bem, enfim, é um pensador de primeira....pena ser corintiano.
Tudo bem, perfeito mesmo só Jesus!!!
Nem quero dizer mais do que já foi dito, mas realmente o Ricardo sabe do que fala, e não da boca pra fora, fala do que conhece e não simplesmente repete escritos ultrapassados, mas ter defeitos quem não os tem, mas sem dúvida ser corintiano é o pior deles.
Ah, então Deus devia estar dormindo quando o Corinthians caiu pra segundona, né?
Engraçado que, pra mineiro, não há contingência em futebol, digam ao Ricardo Gondim. Então, é totalmente possível ser calvinista quando você percebe que o time do Cruzeiro foi predestinado a vencer o campeonato estadual. De 5 a 0.
Contingência é coisa pra corinthiano e botafoguense, caross paulistas.
Vai ver, depois que eu ler Gianni Vattimo, talvez mude de ideia...
Convenhamos, senhores! O Ricardo Gondim é um chato de galochas. Filósofo temporão. Nem sabem como esta filosofada me edifica! Olhem o que ele diz: "Não acho que Deus, lá de cima, micro-gerencie a terra, semelhante a um títere onipotente."
Amigos,"títere" não é o que mexe com os cordéis dos bonecos, mas a própria marionete! Títere: s. m. 1. Boneco ou figura que se faz mover e gesticular por meio de cordéis; marionete, bonifrate.
Além do mais, Gondim usa muitos clichês de locutores e comentaristas esportivos dos anos 50 do século passado.
Contingências? Pois, sim. Saibam que Deus age no futebol. Em 2005, ao permitir o Senhor que o Inter fosse roubado pelo Corínthians e pela arbitragem, e pela BBF, tornei-me um pouco mais humilde. Eu andava muito orgulhoso por torcer pelo melhor time do Brasil.
Ele tem feito da "contingência" seu cavalho de batalha.
Vez por outra abre o verbo para defender seu feijão-com-arroz... e para piorar "curintiano"
Lamentável...
Postei um comentário à "Futebol, contigência e o Divino" que não aparece aqui. Acho que fui censurado. Só se publicam comentários favoráveis ao modo pavariniano de pensar? Semana passada comemoramos o tardio desaparecimento da malfadada "lei de imprensa". Pavarini é meio Castello Branco. Não o saudoso jornalista. O general de 1967.
O post a que me referi anteriormente resolveu aparecer. Aleluia! Pavarini não se parece mais com o general Castello Branco. Lei de Imprensa nunca mais! Inda mais em um meio tão, digamos, democrático,como o PAVABLOG.
A propósito: acesso o blog do Gondim, mas, ele, ao contrário do Pavablog, não permite comentários. Eu só queria dizer a ele (Gondim) que não deve aconselhar a ninguém encher os pulmões com nitrogênio. Ninguém vai subir feito balão com os pulmões cheios de nitrogênio. Vai morrer. Nitrogênio é um gás asfixiante, embora componha 71% do ar respirável. Digam para o Ricardo: faça poesia, mas estude um pouco de química, também.
consegui achar seu comentário, vítor. Estava na pasta de "publicados" (junto c/ 99,9% dos cerca de 1.000 comentários recebidos em abril).
às vezes acontece. perdoe-me a falha.
abs
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