2.6.09

Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém na supervisão (2)

Quem tem medo de palavrão?

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, em uma ida ao campo de futebol o homem diz mais palavrões do que nos gritos e sussurros de alcova durante a sua vida inteira. Não é diferente no sofá de casa, e o mesmo acontece com os técnicos, os digníssimos professores, e com os boleiros, mesmo os santinhos do pau oco e os sonsos atletas de Cristo.

Em uma pelada, mesmo de criança, fala-se mais palavrões do que na última casa de tolerância da Vila Mimosa. Como me disse uma noite a Tia Olga, madame responsável pela iniciação sexual de muitos garotos de São Paulo, todo homem ao chegar ao baixo meretrício ganha ar solene, circunspecto, grave, respeitoso. É no futebol que a criatura, antes da chamada fase oral canibalística, manifesta-se um marquês de Sade.

As histórias em quadrinhos do livro Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol (ed. Via Lettera) são fichinhas, café pequeno, Zibia Gasparetto, padre Zezinho, uma Bíblia diante de um menino de nove anos e sua turma atrás da bola. Cito o tal livro devido à sua adoção seguida de banimento em escolas estaduais paulistas, como vimos nesta Folha. Não julgo quem o acolheu nem quem o demonizou. Não tenho ciência pedagógica para a valiosa tarefa, mas duvido de que o referido conteúdo fosse espantar alguém que já bateu uma pelada.

Sim, pode ser inadequado, no sentido moral e cívico, para a faixa etária do ensino básico, mas a gurizada iria se divertir e se interessar mais pela leitura do que sob a palmatória da chatice bilaquiana ou alencarina. "Última flor do Lácio, inculta e bela,/ És, a um tempo, esplendor e sepultura;/ Ouro nativo, que na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela..." E dá-lhe Bilac na rapaziada.

Aqui em casa eu prefiro o time que contou as inocentes historinhas do "Dez na Área": Allan Sieber, Caco Galhardo, Custódio, Fábio Moon e Gabriel Ba, Fabio Zimbres, Lelis, Leonardo, Maringoni, Osvaldo Pavanelli e Emílio, Samuel Casal e Spacca. Tem ainda o Karmo, na posição de gandula.

Noves fora o quiprocó pedagógico, é mesmo um belo livro sobre futebol. Como diz o genial Tostão no prefácio: "Faltava uma obra como essa para crianças e adultos". A maldade do palavrão está na cabeça de quem o condena. O palavrão é bênção divina no futebol, na literatura, no desafogo, na topada, no pânico, no trânsito. E na cama.

Agora lembrei de uma fala de Ronaldo na sabatina da Folha. "Ele [Ronald] é uma criança doce, que não fala palavrão, é educado. É praticamente um europeu", disse ele, sobre o filho que vive na Europa. Mal sabe o Fenômeno que o acervo de palavras cabeludas de muitos países de lá é infinitamente mais rico do que o nosso, como lembra o sociólogo Gilberto Freyre no prefácio do "Dicionário do Palavrão", obra do pernambucano Mário Souto Maior (ed. Record).

A versão alemã de livro do gênero, que inspirou a edição brasileira, tem 9.000 verbetes. O volume nacional ficou em um terço dessa maçaroca. Na França e na Espanha, puta madre, nem se fala. Coisa de botar no chinelo a "Mesa-redonda sexo-futebol debate!", a sensacional história narrada pelo Caco Galhardo que fecha o "Dez na Área...".

Xico Sá, na Folha de S.Paulo.

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Um comentário:

Pavarini disse...

Qualquer pelada entre moleques descalços é uma sinfonia de palavrões maior do que existe em todas as páginas da HQ criticada e imagens pornográficas são distribuídas às nossas castas meninas usuárias de calças hiper-justas por toda cidade nas lonas improvisadas dos vendedores de DVDs piratas (sem classificação etária, até apelidam os pornôs de "educativos"... não deixam de ser, de certo modo). Um moleque, mesmo o da faixa etária que realmente não deveria ter os ditos livros em mãos, se mora na Cidade Tiradentes sabe muito bem o que é o PCC. Uma menina de 13 anos hoje não só sabe palavrões escabrosos e detalhes minuciosos sobre o ato sexual como convive com amigas barrigudinhas, e não por causa de muitos Mclanches felizes ou de livros "obscenos" – talvez por causa da falta deles, para as fazerem ter um mínimo de juízo antes de iniciarem a vida sexual.

Dialogar com tal realidade, logicamente com a intenção de acrescentar alguma coisa – seja prazer estético, seja conteúdo crítico –, e não somente pegar carona na onda para obter lucro, é uma forma válida de tentar atingir com livros um público que sente ojeriza pela palavra escrita vinculada sempre a "coisas que não entendo".

E basta de falso moralismo. Afinal, na hora de se livrar de seus filhos, colocando-os diante da TV ou do computador, esses mesmos pais indignados com as "cagadas" da Secretaria não se preocupam nem por um segundo com a quantidade de merda que estão lhes proporcionando para ter um pouco de paz em casa.

trecho de "Um moralismo rançoso e hipócrita", texto de Kleber Pereira dos Santos no site Observatório da Imprensa.
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=540DAC006

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