O filme "Last Chance Harvey" (última chance Harvey), em cartaz, "Tinha que Ser Você" em tradução ridícula, com Dustin Hoffman e Emma Thompson discute um tema duro, sem deixar de ser delicado. A história não é um mero romance de um homem e uma mulher que se encontram de forma improvável, já nos 60 anos, quando tudo tende a estar decidido e muito pouco resta a fazer. O filme descreve a vida de dois "losers" (pessoas fracassadas na vida) que se encontram e como eles apostam um no outro.
Uma das qualidades do filme é exatamente ser otimista sem ser brega, coisa rara numa cultura que preza por um otimismo de massa para retardados do tipo: "Confie no seu desejo que vai dar certo". Não, na maioria das vezes, não dá certo, pouco importa o que você fizer.
O filme é uma anatomia do fracasso. Só a coragem pode desafiar o hábito do fracasso. A vida só sorri para os corajosos. Esta é a grandeza de Harvey, quando, aos 45 minutos do segundo tempo, arranca um sorriso da triste mulher envelhecida, até então atolada, como ele, no hábito do fracasso. E apostam numa vida improvável. Vem aos lábios: "Meu Deus, afaste de mim o cálice da covardia!". Enquanto eu tiver coragem, minha alma respira.
A figura do "loser" é insuportável. Antes de tudo porque a maioria da humanidade é "loser" e você de 20 anos poderá ser um "loser" aos 50.
A diferença entre o título em português (romance "sessão da tarde") e o título original (falando da última chance na vida de um homem) revela que a grandiosidade do filme não está exatamente no "amor improvável". Mas na coragem de pessoas maduras enfrentarem o "aconchego" que o hábito pode dar, mesmo que seja o hábito da infelicidade, como diz a personagem de Emma Thompson quando confessa, ao final, mais ou menos assim: "É mais fácil quando me decepciono".
Ele é um homem que sonhava em ser um pianista e virou um criador medíocre de jingles. Separado, sua esposa se casa de novo com um homem bem sucedido, alto e bonito. Há maior tormento para um homem baixinho, feio e pobre do que imaginar sua ex-esposa, gemendo delícias na cama entre as mãos de um homem rico, alto e bonito?
Harvey receberá dois duros golpes. Primeiro, será trocado por um jovem no emprego (ele recebe seu emprego de volta, e sua recusa será a chave de que escolheu mudar de vida); depois, sua filha escolherá o marido da mãe (o tal alto, rico e bonito) para levá-la ao altar -o filme se passa no momento em que ele vai a Londres para o casamento da filha.
Aliás, uma das qualidades do filme é não demonizar a ex-esposa e a filha como se elas fossem aquele tipo de mulher insensível e interesseira que habita os pesadelos dos homens fracassados. Todavia, faz parte do imaginário dos homens fracassados serem abandonados por suas mulheres. Se acreditarmos nas estatísticas, acreditaremos que as mulheres são (quase) sempre insensíveis e cruéis com seus maridos fracassados. Mulheres e filhos não suportam homens fracos e derrotados pela vida. São poucas as opções para os homens: ou o sucesso ou o sucesso.
Ele vive o inferno universal do homem derrotado: pouco dinheiro, competência medíocre, recusa sistemática das mulheres em considerá-lo parceiro. No voo para Londres, quando ele tenta entabular uma conversa com uma loira se ntada ao seu lado, ela o troca pelo travesseiro de forma fulminante.
Ela trabalha no aeroporto de Londres fazendo aquelas pesquisas chatas com os passageiros. Tem coisa mais chata do que ser parado por essas mulheres passadinhas, com o corpo se desmanchando dentro de vestidos foscos, fazendo perguntas pentelhas quando você sai de um voo de 12 horas?
Ela é uma mulher tímida, meio desajeitada, e já naquela idade em que a solidão é seu par. É triste se ver como um iogurte que lentamente atravessa o prazo de validade. Sua mãe, ela mesma trocada pela secretária do marido (eles fugiram para o sul da França), passa o dia atormentando a filha pelo celular.
Com um trabalho idiota, nossa heroína enfrenta a dura verdade de que a maioria das mulheres resseca diante do fracasso amoroso, apesar da propaganda enganosa dizer o contrário. Para as mulheres, os índices de sucesso permanecem monótonos como os desertos: leveza d'alma, beleza das formas.
É um drama para gente grande, nada a ver com romance adolescente. "Losers" de 60 anos têm a experiência do tempo contra eles, não têm uma segunda chance.
Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.
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