24.12.09

De como nos congratulamos sem cessar

Minha mesquinheza não tem limites, mas não é sempre que recorro à custosa lucidez que poderia manter-me consciente deste detalhe.

Terá sido há vinte anos, mas lembro claramente o dia em que diagnostiquei em mim mesmo o mecanismo de congratulação infinita, através do qual me parabenizo incessantemente pela qualidade equilibrada e excelsa da minha posição. Percebi que, quando estava na casa de alguém muito pobre, agradecia em oração silente a Deus o fato de não ser tão pobre quanto aquela pessoa, e de poder dessa forma ser poupado dos pecados e tentações da pobreza; paralelamente, quando estava na casa de um homem mais rico, congratulava-me pelo fato de não ser tão rico quanto ele, e de ser dessa forma poupado dos pecados muito evidentes da sua riqueza.

Quando uma coisa aconteceu logo após a outra fui capaz de enxergar por um instante o mecanismo por trás da cortina, e recuei em absoluto horror diante de mim mesmo. Mas não tenha pena de mim, porque essa espécie de lucidez só dura um momento. Na maior parte do tempo somos precisamente como o fariseu da parábola, que felicitava-se – e diante de Deus! – por não ser pecador como aquele cobrador de impostos. De fato, consideramo-nos as mais equilibradas, compensadas e admiráveis das criaturas, e damos constantes tapinhas nas nossas próprias costas a fim de festejar adequadamente esses méritos.

Fazemos isso condenando sem cessar, do alto de nossa posição, as descompensações dos outros. Não me lembro de ter visto esse mecanismo articulado de forma mais brilhante do que nesta tira do genial David Malki !, em que um desprezível protagonista, que somos nós, professa sua fé:

– Qualquer um mais inteligente que eu é um nerd; qualquer um mais burro que eu é um idiota. Qualquer um mais velho que eu é um decrépito; qualquer um mais novo que eu é um guri. Qualquer um menos promíscuo que eu é um puritano; qualquer um mais promíscuo que eu é um puto.

E, enquanto nos julgamos no centro do equilíbrio, somos poupados dos riscos que ocasionaria avançar em qualquer direção. Bendita seja nossa mediocridade, que nos salva a cada minuto da insensatez que seria avançar em direção à grandeza.

Paulo Brabo, em A Bacia das Almas.

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