9.5.08

Estamos caminhando para trás

Em primeiro lugar, não caio no lobby dos maconheiros. A Cannabis sativa não é uma planta eivada de virtudes, como alguns querem fazer parecer. Trata-se de uma droga como qualquer outra, que faz muito mais mal do que bem. Seus efeitos agudos (durante a fase de intoxicação) incluem a diminuição da memória de curto prazo, a piora da coordenação e da capacidade de tomar decisões, bem como o aumento da freqüência cardíaca, o que levou alguns autores a sugerirem que ela pode elevar o risco de doenças do sistema circulatório.
Para além da fase de intoxicação, o que os cientistas puderam constatar foi a redução da memória em geral e da capacidade de aprendizado. Não se sabe ao certo se esses efeitos são permanentes ou se passam após a descontinuação do hábito.
Com o uso crônico, os efeitos indesejados observados são a dependência e o aumento do risco de doenças respiratórias como bronquite e enfisema, além de cânceres de pulmão e cabeça e pescoço. Alguns autores correlacionam o abuso continuado à chamada síndrome amotivacional (a popular "leseira") e a episódios psicóticos, mas ainda não se chegou a uma conclusão segura nessa seara.

Não estou, evidentemente, afirmando que todos os usuários estão condenados a padecer desses efeitos. Como se dá com várias outras drogas, a maioria das pessoas que as utilizam ocasionalmente passa quase incólume pelos efeitos adversos. Uma fração, entretanto, mergulha nos horrores da dependência e das moléstias associadas.
Quanto à legalização, defendo-a, mas não apenas para a maconha. Para que essa proposta faça algum sentido, ela deve incluir todas as drogas. Estamos falando de vender também cocaína e heroína na farmácia para todos os maiores de 18 anos que queiram consumi-las. E ninguém deve achar que isso será bom. Estaremos apenas trocando de problema.
Pelo menos em teoria, nós nos livraríamos dos homicídios e da violência gerada pelo narcotráfico (bem como das despesas decorrentes da repressão) para conviver com um muito provável aumento dos casos de dependência, aí incluídos gastos no sistema de saúde. E cuidado. Não se deve julgar que os traficantes de hoje meteriam um terno, vestiriam uma gravata e se tornariam respeitáveis homens de negócios. O mais provável é que migrariam para outras atividades criminosas, possivelmente até mais violentas, como o seqüestro.
Ainda assim, acho que devemos caminhar para a legalização. Não de uma vez, mas paulatinamente, a fim de de permitir que o sistema de saúde se prepare para aquilo que os economistas chamam de choque de demanda.
Que vantagem levaríamos? É difícil dizer porque não sabemos bem o tamanho da encrenca em que estaríamos entrando. Decerto não estamos lidando com algo que tenha potencial para extinguir a humanidade, como sugerem alguns baluartes do conservadorismo. O homem, afinal, convive com álcool e drogas muito antes do primeiro profeta ter tido a idéia de proibi-los.
Só o que me faz pender para a legalização é a convicção filosófica de que não cabe ao Estado impedir que uma pessoa faça mal a si mesma. Eu pelo menos jamais deleguei a nenhuma autoridade pública o poder de decidir o que posso ou não fazer com meu próprio corpo. Se, ciente dos riscos a que me sujeito e disposto a acatar regras mínimas de convivência (como a de não dirigir sob efeito de álcool ou drogas), resolvo me entupir de cocaína, esse é um problema que não diz respeito ao Estado.
O aumento das despesas médicas decorrentes da maior prevalência do uso de drogas pode ser ajustado pela via fiscal. O imposto a incidir sobre esses produtos seria tão alto quanto necessário para "fechar" a conta do SUS. Curiosamente, nossas autoridades fazendárias evitam tomar essa medida óbvia com relação às drogas já legalizadas, que são o álcool e o tabaco.
É claro que, de uma perspectiva histórica, estamos sempre melhorando. Vivemos hoje mais, melhor e com mais liberdades do que há um, dois ou três séculos. Mas, olhando no horizonte mais limitados das duas ou três últimas décadas, às vezes tenho a sensação de que estamos caminhando para trás. A sociedade, hoje, parece sob muitos aspectos mais conservadora do que a dos anos 60 e 70. Pior, ao que parece, já nem podemos contar que haja juízes em Berlim.
trecho de Os juízes de Brasília, texto do Hélio Schwartsman na Folha Online.
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