21.7.08

Bulimia intelectual

Poucas coisas duram mais que 12 meses.

Se você quiser ser eficiente com o seu consumidor, seja curto! Me vi obrigado a adotar essa tese simplista e, hoje, começo praticamente todo novo trabalho com ela. Por menor e mais direto que esteja a peça, apresentação ou palestra, padeço de uma bulimia intelectual mais ou menos assim: "huuum, acho que ainda tá grande... dá pra cortar mais alguma coisa".

Confesso que para quem gosta de falar, como eu, e possui perfil preciosista, sofrer de bulimia intelectual no começo não é fácil. Mas o que fazer se a bulimia está na moda? Vejam: "Advice and Consent", de Allen Drury, venceu o prêmio Pulitzer em 1960 com 640 páginas. "On the Bullshit", de Harry G. Frankfurt, venceu o mesmo prêmio em 2005 com 68 páginas. O culto à magreza chegou à literatura.

Gorduras foram realmente cortadas ou o direto ao ponto hipervalorizado? Esse artigo, por exemplo. Por melhor que seja, quanto menos letras tiver ao primeiro olhar do leitor, maior sua chance de ser lido até o final. As pessoas buscam hoje mais a essência das idéias e menos suas reflexões. Não canso de ouvir: "a palestra de 1h do fulano foi boa por duas coisas bacanas que ele falou", "esse livro é muito bom, mas poderia ser mais curto", "o filme tem quase quatro horas, é muito".

O tempo do sucesso e da vida útil dos produtos também encolheu. Pode ser uma música do seu artista favorito ou o seu iPhone. Poucas coisas duram mais que 12 meses.

Se o Renato Russo compusesse "Faroeste Caboclo" hoje, seria grande a chance dele fazer uma lipoaspiração na letra. As novelas da Globo tinham mais capítulos e suas aberturas eram mais longas. Hoje, até as famosas "cenas do próximo capítulo" foram retiradas.

Os comerciais, os programas de TV, os livros, os ensaios, as palestras, as peças de teatro, as viagens, as refeições, as paqueras, as consultas médicas, os cultos, os relacionamentos e até os beijos eram mais longos. Já tentaram assistir a um vídeo no YouTube que tenha mais de seis minutos? Parece uma eternidade. Poxa, mas ele só tem seis minutos!

Na internet, a exigência por conteúdos absolutamente curtos ou "drops", para usar o termo da moda nos Estados Unidos, é ainda maior. Nem o celular escapou. Essa semana vi uma campanha rolando na blogosfera chamada "não ao voicemail". Ela sugere que ouvir mensagens de voz no celular é uma grande e irritante perda de tempo. Mais de 90 mil pessoas já haviam aderido à campanha e configurado os recados de suas caixas de voz com uma mensagem default parecida com essa: "Oi, você ligou para o fulano. Por favor, não deixe um recado nessa caixa postal, já que eu raramente a acesso. Se quiser me contatar, me envie um SMS ou um e-mail para a conta fulano@fulano.com. Obrigado. Fulano".

Daí eu me pergunto: estamos exagerando, nos defendendo ou sendo inteligentes? Eu mesmo me senti tentado a configurar o meu celular com essa mensagem. Mas não tive coragem. Outra questão que levanto é: ficamos mais rápidos, por isso valorizamos a essência ou preferimos a essência porque não temos mais tempo. Acho que um pouco dos dois.

O fato é que se desejamos ter um longo e relevante relacionamento com os nossos clientes, ser bulímico intelectual ajuda muito.

Rafael Payão, no Propaganda & Marketing.

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