As quitandas - no tempo em que havia quitandas - penduravam em algum canto, ao lado das réstias de alho e cebola, uns apitos iguais aos dos juízes de futebol. Era utensílio indispensável em casa de família, afinal, muita gente não gosta de cebola ou alho, mas todos precisavam de um apito daqueles.
Serviam para chamar o guarda-noturno, entidade que, como as quitandas, também desapareceu. Na realidade, era a única defesa que a população dispunha. Única e bastante. Os ladrões temiam e tremiam ante a possibilidade de serem descobertos no ato da rapinagem. E o guarda-noturno, que também tinha um pito igual, ficava rondando a noite toda, e dormia-se tranqüilo sabendo que a lei estava ao nosso alcance - o longo braço da lei e do apito que afugentava os ladrões da noite.
Em casos de emergência, quem apitava era o dono da casa roubada ou ameaçada de roubo, geralmente de suas galinhas - pois, além do apito, uma casa digna de apreço tinha suas galinhas.
Era bom, nas noites antigas, saber que o vigilante da lei passava pelas ruas, apitando de esquina em esquina, anunciando que o Estado velava pela propriedade das galinhas e pelo sono dos cidadãos.
Houve a noite em que seu Almeida apitou no meio da noite. Solidários, todos acordaram. O guarda-noturno tomou as providências que dele a sociedade esperava. Apanharam um cara com um saco cheio de galinhas. Seu Almeida deu uma das galinhas para o guarda, outra para o próprio ladrão e ficou com as restantes. Guarda e ladrão, cada qual segurando uma galinha, foram para o distrito, ou talvez nem isso, cada um tomou seu próprio rumo.
Todos voltaram para a cama, orgulhosos da ordem, tendo o que contar no dia seguinte. E passou o menino vendendo amendoim torradinho, a lata de banha transformada em fogareiro, as brasas vermelhas despejando fagulhas que caíam na calçada, pequeninas estrelas que iam deixando um rastro iluminado no escuro da noite. Além do apito do guarda-noturno, havia o canto dos meninos que vendiam amendoim torradinho - e todos dormiam protegidos pelas estrelas de fogo que caíam na calçada e pelo apito que cortava a noite - noite do passado.
Carlos Heitor Cony
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26.7.08
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adoro vir aqui.
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