30.9.08

Igreja: Oásis, Deserto ou Campo de Batalha? (2)

Como escrevi no texto anterior, fui abençoado em vivenciar a Igreja como um oásis, dos 6 aos 42 anos. A adoração, o estudo, os sacramentos, o aconchego da família da fé me faziam dizer com sinceridade: "Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor".

Sempre me vi não como alguém que fizesse uma "carreira" eclesiástica, mas como um missionário na sociedade, nas áreas onde atuei: universidades, partidos, sindicatos, clubes de serviço, academias etc. Mas, esse longo idílio acabou, e foi substituído pela minha segunda "dispensação": a do deserto.

A Diocese Anglicana do Recife, nova, pequena, tinha o status de "missionária", não tendo autonomia para eleger os seus bispos. Estes eram eleitos pelo Sínodo Geral, ao nível nacional. Em 1984 foi eleito para o Recife, contra a vontade do seu clero e do seu povo, o Bispo Clóvis Erly Rodrigues, gaúcho, que não conhecia o Nordeste sequer como turista, e pertencia a corrente católico-liberal (+ Teologia da Libertação), enquanto a nossa Diocese era quase toda evangélica e/ou carismática. Durante um ano ele foi Coadjutor (auxiliar) do Bispo Sherril, assumindo a titularidade em 1985. Tive duas conversas iniciais, com o mesmo, totalizando cinco horas e meia. Não descobrimos nenhum ponto em comum. Ele me disse, francamente: "Detesto evangélicos e odeio carismáticos". Eu lhe disse que trabalharia com ele no estritamente institucional. Mas, em 1988 ele já vetava o meu nome (e o do Rev. Paulo Garcia) para qualquer cargo ou função tanto ao nível da Diocese, quanto ao nível nacional da Província, como "personas não gratas". Foram oito anos de "gelo", de deserto denominacional.

Depois de Ordenado, servi três anos e meio na Paróquia Emanuel, Olinda, PE, como Coadjutor (auxiliar) do Rev. Ian Meldrum. Depois fui eleito Coadjutor da Paróquia da Santíssima Trindade, no Espinheiro, Recife (Rev. Paulo Garcia, titular), onde permaneci quatro anos e meio. O Rev. Paulo, um pragmático, teve uma primeira fase "evangélica", uma segunda fase "carismática", e uma terceira fase "movimentalista" (Encontro de Jovens, de Casais, Cursilhos etc.), fazendo uma caminhada de uma integração com o mundo protestante para um absoluto isolamento centrado em um projeto pessoal de uma igreja-empresa de classe média, bem como um movimento da esquerda política para a direita. Minha militância com o PT e meus textos interdisciplinares passaram a incomodar o Pároco e seu estamento dirigente. Fui "fritado" em fogo brando em 1990 e levado a renunciar em 1991, sem ter direito de me despedir da comunidade, onde proliferaram os boatos e as difamações ao meu respeito.

Com a autorização do Bispo, e o apoio de cerca de 24 fiéis, criei a Missão da Redenção, sem sede estável, se reunindo em sindicatos, escritórios, livrarias evangélicas e próprios universitários, por seis anos. Aí o deserto se aprofundou em relação à comunidade cristã da própria cidade do Recife, desinformada ao meu respeito pelos boatos procedentes de minha ex-Paróquia. Foi um tempo de dureza, de solidão, mas de muito testemunho profético.

Deus tinha suas compensações. Deixei o quadro de assessores da ABU em junho de 1978, para me dedicar à conscientização política dos evangélicos: MCDC, INESP, GEAP, Evangélicos pela Constituinte, livro: "Cristianismo e Política" etc. Durante os 20 anos seguintes eu comprava uma agenda e orava no dia primeiro de janeiro. E iam chegando os convites de vários Estados, de várias denominações, e, por meio da TFL, da WEF, do Movimento de Lausanne e da Fraternidade dos Evangélicos na Comunhão Anglicana (na época liderada pelo Rev. John Stott), viajava para eventos nos mais diversos países. Ou seja, enquanto eu rodava pelo mundo e pelo Brasil, "sumia do mapa" no Recife; enquanto servia às mais diversas denominações, "não existia" para o Anglicanismo no Brasil.

Foi muito doloroso substituir o "no mundo tereis aflições", pelo "na Igreja tereis aflições". A certa altura parecia que o futuro era cinzento e fechado. Mas, em um ano, me aposento da UFPE, perco (por pouco) uma eleição de vice-prefeito de Olinda, sou eleito Bispo, e entro na terceira "dispensação": a da Igreja como campo de batalha.

Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.

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