A – O Suicídio
Do ponto de vista humano, tudo o que nasce na terra tem um fim. Esse fim pode ocorrer por fatores externos: acidentes, homicídios; por fatores internos involuntários: bactérias, enfermidades congênitas; por fatores externos voluntários: o suicídio;
Há uma diferença entre o suicídio e a tentativa de suicídio, que acarreta danos (às vezes muito sérios), mas não chega a levar à morte. Há tentativas de suicídio que são apenas um grito desesperado pela vida e outras em que o agente está mentalmente enfermo; perdeu a noção da realidade;
O suicídio e a tentativa de suicídio indicam uma grave crise na personalidade, uma crise de identidade e de propósitos existenciais: o ser que não quer ser, que pensa que é outra coisa, que imita outros seres, que perdeu a razão de ser;
O suicídio é revelador de uma patologia. O suicida é um doente, é um paciente, que deve ser tratado, mesmo contra a sua vontade. Um internamento compulsório, terapias compulsórias são deveres dos terapeutas, da família, da sociedade e do Estado;
A Ética e a Moral requerem de nós que impeçamos um suicida de atingir o seu objetivo. A Lei Penal nos exige isso;
A Vida e o desejo de viver (com todas as suas implicações) é o normal. Assim, se deve devolver o suicida à saúde, à normalidade e a vida;
Assim como os seres humanos, as organizações sociais também “morrem”, por razões internas, externas involuntárias ou externas voluntárias. Organizações sociais também “adoecem” e “se suicidam”. Estados, civilizações, culturas, línguas, empresas já se autodestruíram, ao longo da História. O historiador Arnold Toynbee, afirmou que o Império Romano começou a desaparecer, por implosão, três séculos antes da queda de Roma, quando começou a duvidar dos valores que o constituíram;
Questões preliminares, pois, seriam: pode o Cristianismo, um dia, vir a desaparecer, a semelhança de outras religiões? Esse desaparecimento pode se dar não só por fatores externos, mas, também, por fatores internos, involuntários ou voluntários? Pode o Cristianismo tentar se suicidar? Se a resposta for positiva, é nosso dever intervir, por todos os meios, para evitar que isso venha a ocorrer?
B – Igreja: O Ser e a Vida
A Igreja como instituição, veio a existir baseada em alguns elementos básicos: a) os seus integrantes; b) a sua liderança; c) a sua organização; d) as suas crenças; e) os seus objetivos. No primeiro século de sua existência, ela passou por um inevitável e necessário processo de institucionalização;
Ela ampliou e diversificou a composição dos seus membros, se organizou em torno do Colégio Apostólico, acreditando em uma mensagem e tendo como objetivos existir e crescer, quantitativa e qualitativamente. Essa Era Apostólica será seguida pela era dos Pais Apostólicos, e, em seguida, pela era dos Pais da Igreja, ao fim do qual o ser já fizera a trajetória da infância para a idade adulta. O ser existia como ser;
Os Pais da Igreja já receberam dos Apóstolos e dos Pais Apostólicos as marcas da identidade do novo ente, para as quais chegaram por um consenso (que superou sérios dissensos), sob a crença de estarem sendo iluminados pelo Espírito Santo prometido pelo fundador Jesus Cristo. Essas marcas eram: a) a consciência de ser o novo Povo de Deus; b) o fechamento do Cânon Bíblico, com a incorporação dos livros judaicos e a seleção dos livros do que seria o Novo Testamento.
Esse texto teria um caráter autoritativo e não se permitiria subtrações, alterações ou adições; c) a oficialização de dois ritos chamados de “Sacramentos”: o Batismo e a Ceia do Senhor, além de outros símbolos, ritos e cerimônias caracterizadoras da sua identidade; d) uma síntese de suas crenças peculiares, contidas no Credo Apostólico e no Credo Niceno: a Trindade, as Duas Naturezas, a Encarnação, a Morte Vicária, a Ressurreição, a Igreja, o Juízo e o Retorno, o Reino Eterno; e) a mensagem da unicidade de Cristo como veículo de salvação, mudança de vida e herança da eternidade, cujos seguidores deveriam estar dispostos a dar a sua vida; f) uma organização baseada no tríplice ministério (ou ordens), com os Bispos como sucessores dos Apóstolos, auxiliados pelos Presbíteros (ministros da Palavra e dos Sacramentos) e pelos Diáconos (ministros do serviço).
Essa organização se fragmentou em quatro ramos: três no Oriente (Bizantinos, Pré-Calcedônios e Pré-Efesianos) e um no Ocidente (Romanos), por diferenças culturais e de alguns tópicos localizados, mas, em seu conjunto, rejeitaram as correntes que apresentavam visões que afetavam as marcas essenciais (heresia), constituindo um bloco histórico (ortodoxia), que permaneceu praticamente inalterado por quinze séculos, em contínuo processo de expansão;
Como toda organização humana, a Igreja teve períodos mais dinâmicos e mais estagnados, mais pacíficos e mais conflitivos, mais coerentes e mais incoerentes, mais éticos e menos éticos. Ela passou por periódicos movimentos reformadores, cujo principal foi o da Europa Ocidental do Século XVI (Protestantismo), apelando pela supressão de crenças e práticas consideradas contrárias ao chamado “legado apostólico” e ao “consenso dos fiéis” (tradição). Esse ampliou a sua fragmentação para doze grupos, alguns dos quais rejeitaram o item f das marcas caracterizadoras (Episcopado histórico).
C – Enfermidades
O projeto original era um povo = uma instituição. Na Idade Antiga, ficou um povo = 4 instituições. Na Idade Moderna (com a Reforma) ficou um povo = 12 instituições. Na Idade Contemporânea, com o fenômeno sociológico conhecido como denominacionalismo, a partir dos Estados Unidos, no século XVIII, temos hoje um povo = 38.000 instituições (conhecidas, mas há muito mais);
Para se justificar a nova realidade fragmentada, enfatizou-se o dualismo entre “igreja visível” e “igreja invisível”, para que a unidade seja “invisível”, ou seja, metafísica, ahistórica, nitidamente de inspiração neo-platônica, um jogo de palavras para acalmar consciências;
Com tantos “corpos” com a mesma “alma”, como um psiquiatra classificaria um paciente em tais condições?
Pode-se falar em uma religião cristã, mas não em uma Igreja Cristã. Do ponto de vista da auto-identificação, à luz da Oração Sacerdotal do fundador, estaríamos diante do pecado contra a unidade, também chamado de cisma, como algo aceito, rotinizado, legitimado. Eu não sou eu; mas eu sou vários (“meu nome é legião”);
Aí aparecem, dentro da Cristandade, os Mórmons, a Ciência Cristã, as Testemunhas de Jeová, com um pé dentro e um pé fora, “pelas beiras”, denominadas pelos sociólogos de “corpos para-cristãos”, ou “seitas para-cristãs”. Aí embola mais o meio de campo. Ser ou não ser?
E aí aparecem as Igrejas “universais”, “internacionais”, “mundiais”, “planetárias”, e assemelhadas, já denominadas de “corpos para-protestantes” ou “seitas para-protestantes”, juntamente com as religiões nativas da cristandade africana. O meio de campo embola mais. O que, afinal, é o Cristianismo?
Da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século XX aparece o Liberalismo dito Moderno: e aí vão embora as tais “marcas” da identidade: autoridade das Escrituras, o nascimento virginal, os milagres, a expiação, a ressurreição, a segunda vinda etc. Luteranos, na Alemanha e Escandinávia; presbiterianos, na Suíça, Holanda e Escócia; congregacionais, nos Estados Unidos; batistas, na Inglaterra, vão afirmando a negação, e os templos se esvaziando, sendo vendidos, ou tombados pelo Patrimônio Histórico. O ser aprofundava a crise e a enfermidade, pela negação do ser, ou pela recusa a ser. Somos o nome com outro conteúdo. Somos a nossa própria negação;
No final do século XX e o início do século XXI vai aparecer o Liberalismo Pós-Moderno: não há revelação, não há pecado original, não há verdade (ela é multicultural, individual e subjetiva), todos estão salvos. Do racionalismo para o irracionalismo. Parece que não ficou “pedra sobre pedra” do antigo ser.
D – Sintomas
“A Igreja é um ente social, cultural, afetivo e litúrgico, onde não há lugar para definições de doutrinas, nem o estabelecimento de normas de comportamento”;
“A Bíblia é um livro da tradição religiosa judaica, útil para a devoção particular e para o uso litúrgico público, mas de quem não se deve buscar bases doutrinárias ou normas de comportamento”;
“Foi uma coisa terrível o evangelista ter colocado na boca de Jesus a frase: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, e ninguém vem ao Pai senão por mim”. Essa frase é infeliz, arrogante, politicamente incorreta e imperialista”.
“Jesus é o meu caminho e um dos caminhos”;
“Quero pedir perdão aos hindus pela tentativa dos missionários em convertê-los”;
“Antes o Povo de Deus era o Judeu, depois a Igreja; hoje é todo mundo”;
“Sou cristã e islâmica, ao mesmo tempo, porque o meu cristianismo não se choca com o Islã”; “O Cristianismo é ofensivo ao Islã”.
“Não há pecado original. Somos tal como Deus nos criou. É uma violência querer mudar as pessoas. A Igreja deve ser absolutamente inclusiva”;
“Se o inferno existisse, eu teria que me preocupar e gastar tempo, pensando na “salvação”, e não poderia gastar a minha vida amando ao próximo. Para se amar verdadeiramente ao próximo, temos que partir do princípio de que todos estão salvos”.
E – Deixar o Suicida Morrer?
Prédios, vestes, ritos, palavras. Só. Parece, mas não é. Odeia-se o ser que foi. Nega-se o ser que poderia ser. Grave esse paciente. Já morreu ou está “apenas” morrendo?
Você está integrando ao processo de suicídio? Está indiferente ao processo? Ou julga que deve evitar a morte, mesmo usando camisa de força com o paciente?
Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.
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27.9.08
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Um comentário:
O que fazer? Ficar inerte e deixa-la sangrar numa hemorragia sem fim? Permanecer omisso e acrítico dentro do atual estado de coisas - sabendo que a seguir este caminho, mais rápida ela chegará ao desastre?
Há uma terceira via.
Quero parabenizar o Pavarini e Dom Robinson pela dedicação em focar a discussão a respeito da Igreja e de nosso futuro. Sei que meu voto não significa muito, mas pelo menos fica registrado. É um gesto simples, sim!
Não percamos portanto a esperança. Nos engajemos na luta e ativamente busquemos caminhos alternativos, consciência, articulação de pessoas, esclarecimentos e acima de tudo - CONVERSEMOS entre nós!
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Avi!! Pareceu pregação ... he he
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