Engarrafamento é insuportável. Baquear de repente numa rua aparentemente calma, não compreendendo a motivação do carretel.
Não são suficientes o arsenal de música no CD e assobiar o hino colorado. É um estresse imediato. O estacionamento forçado arrebenta os nervos. Atormenta-me a imprevisibilidade. Tal fila de banco, desejo descobrir a duração certinha da espera para distribuir a resignação pelo corpo e negociar com a ansiedade. Ainda que o tempo estimado seja uma mentira. Sem expectativa, experimento a ameaça de condenação perpétua.
Mas nada se compara a um engarrafamento de motel. Há coisa mais triste?
Os motéis são, em sua maioria, construídos em lombas. Exigem seis voltas até encontrar a garagem. Custa desaparecer na luxúria e puxar o alívio da cortina.
Desde a entrada, o martírio de escolher em segundos a modalidade do quarto. Um cardápio rocambolesco entre suíte, mini-suíte, standard, selvagem, bucólico, caseiro, medieval, hidromassagem, piscina, colchão de água, beliche e variações. As diferenças entre luxo e semi-luxo absorveriam uma semana de preocupação. Não vale pensar, terá que optar correndo.
Definir um quarto é uma arte do equilíbrio. Não se mostrar avarento, e cuidar para não ultrapassar seu limite no banco.
Afora as indecisões naturais do caminho à cama, o ardor se complica com uma repentina tranqueira no acesso. Os amantes devem adorar. Loucos para não serem vistos, queriam entrar rápido, de preferência de teletransportador, e agora condenados a seguir uma romaria lenta e escutar a fofoca dos motores. O que os motoristas e passageiros farão além de um reparar no outro?
"Aquela placa eu conheço!" "Não é a careca do Paulo, cadê a mulher dele?"
Não adianta buzinar pela demora, que é chamar mais atenção. Terrível é segurar o carro em declive sem puxar o freio de mão e demonstrar tranqüilidade. Um espetáculo à parte para sua parceira.
Motéis lotados são tocaias de separações. Não há como dar meia-volta, nem como seguir adiante. O negócio é tentar manter a excitação, o que fica difícil com tantos contratempos. Se existia dúvida do ato carnal, o congestionamento trata de resolver. Muitos desistem da infidelidade.
Complicado relaxar fora do quarto. No momento em que a funcionária da recepção o encara, um homicida saltará de suas órbitas.
Pagar com cartão de crédito é uma isca se você estiver pecando em segredo. Não há motivo para receber o canhoto. Os motéis preservam a identidade em parte. É barbada reconhecer pela maquiagem. Por exemplo, os motéis de São Leopoldo têm praticamente um único dono. Tudo bem que não aparece no extrato "Motel Tal". Estará grafado J. da Rosa. Mas todas as esposas e maridos da região sabem que J. da Rosa é o dono dos motéis.
Tanto que um amigo canalha não escapou da motelfobia, uma doença comum entre adúlteros na faixa dos 20 a 40 anos. Dirigia estupidamente o carro da namorada... com um caso. Ao sair quietinho e ileso do pórtico, após tórrido enlace, um Vectra bateu com força na traseira do automóvel emprestado. A culpa era do motorista de trás, óbvio, só que ninguém saiu para verificar o estrago. Ninguém. Nem o culpado muito menos o inocente. Fizeram de conta que nada ocorreu.
Meu amigo arcou com o conserto do carro e do seu amor. Ambos não tinham seguro.
Fabrício Carpinejar
arte: Egon Schiele
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25.10.08
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