Fui alertado de que escrevi uma imensa bobagem no artigo da semana passada – “A crise de sempre”. Entrei em pânico: eu tinha enveredado sobre as origens do cristianismo, Jerusalém; a colonização portuguesa do Brasil e, ainda, por outros assuntos em que a minha ignorância costuma atrever-se com inacreditável irresponsabilidade.
Pedi, por Deus, que me revelassem logo a inominável mancada. E ouvi que havia escrito Versace onde deveria ter escrito Prada, referindo-me à marca dos sapatos do papa. E pior: grafei Versace como Versacci! Fiquei tão bravo, mas tão bravo, por me terem dado um susto tão grande por um motivo tão pequeno, que, com inegável incorreção política, quase respondi: ah, mas essas coisas de grife só veado sabe direitinho.
É nas situações extremas que nos revelamos. Atribuir aos homossexuais uma especialização sobre o supérfluo é puro preconceito. No meu acesso de contrariedade não vacilei em pensar preconceituosamente. Marta Suplicy era, até a semana passada, a paladina dos direitos dos homossexuais. Não apenas no papo, mas nas ações. Brigou no Congresso até aprovar a lei que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas, eis que o destino a coloca em desvantagem numa disputa eleitoral com alguém a quem o imaginário popular atribui ser homossexual.
Então, ao diabo com os discursos politicamente corretos! Como escreveu aquele “coaching”, de quem faço questão de esquecer o nome, “gol com a mão só não vale na regra”. Na situação extrema em que se encontra, Marta resolveu ser pragmática, calculando que a massa que decide é preconceituosa. Melhor do que ninguém, como psicóloga e sexóloga, ela sabe disso. E terá aceitado colocar no ventilador uma mensagem insinuando dúvidas sobre a masculinidade de Gilberto Kassab.
Daí, Marta estar enfrentando o tal “clamor público” contra a homofobia. Clamor público contra a homofobia? Tá bom... Conta outra. De repente, os paulistanos todos viraram os anjinhos da tolerância com a diversidade sexual. Inclusive os corintianos! Conversa. Que a massa é preconceituosa não há nenhuma dúvida, mas, da mesma forma como ninguém declara que está levando drogas, armas de fogo e mais de dez mil dólares naquele formulário para entrar nos Estados Unidos, raramente alguém se assume preconceituoso.O erro da campanha petista foi denunciar na televisão aquilo que somos, mas que não assumimos publicamente, por absoluta conveniência. Afinal, fazer um discurso politicamente correto, sócio-ambientalmente responsável e tolerante com a diversidade sexual ajuda a arrumar emprego e fazer carreira.
A estupidez da estratégia da campanha de Marta foi pretender “entregar” Kassab e, ao contrário, ter “entregado” o eleitor. Fomos todos traídos por Marta Suplicy. Porque ela sabe, porque todo mundo sabe, dos nossos preconceitos. Utilizando-se deles, quis jogar-nos contra Kassab, o “veado”. Ele é veado! Joga pedra no veado! Não vota no veado! Será que Marta não sabe que nunca faríamos isso com todo mundo olhando?
Oxe! Marta perde a eleição, mas, de todo modo, a eleição já estava perdida. E é aí que volto a dizer o que já escrevi aqui no artigo “Marketing político para adultos”. Há duas maneiras de sair vitorioso de uma eleição: ganhando a eleição ou ganhando com a campanha. Quem ganha a eleição é apenas um, mas isso não significa que o outro tenha que, necessariamente, sair derrotado.
Na tentativa de ganhar a eleição de qualquer jeito, usando os apelos mais baixos, costumamos, quase sempre, somar à perda da eleição uma perda para a nossa imagem com a campanha.
Marta, principalmente, deveria fazer uma campanha pisando em ovos, pois sabe que tem contra si o patronato da mídia de São Paulo. Qualquer deslize vira um prato cheio para massacrá-la. Logo ela que, aparentemente tinha superado o “relaxa e goza”, dar uma mancada dessas...
Quanto a Kassab, uma curiosidade: perguntado se era homossexual, respondeu que não. Tinha mais duas alternativas: negar-se a responder ou responder que era. Sendo ou não sendo, deveria ter-se negado a responder. Mas preferiu fazer o jogo do preconceito. Ao responder que não é, sendo ou não sendo, fez um pacto implícito com o eleitorado hipócrita: nós, que “por não sermos preconceituosos” votaríamos nele, mesmo sendo homossexual, agora vamos votar nele, sabendo que é declaradamente heterossexual.
Estratégia inteligente, brilhante, genial. E preconceituosa, claro.
Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing.
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20.10.08
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