Quarta-feira à noite, estive na UFRJ, na Praia Vermelha, dando uma palestra para estudantes de comunicação. E eu disse a eles, entre outras coisas, que, graças a Deus, nunca tinha ficado numa empresa tempo suficiente para fazer uma promissora carreira.
Não sei se os professores e diretores sabem o que eu falo para os alunos. Também não sei se me deixariam continuar falando com eles, se soubessem, ou, quem sabe, dependendo dos professores, pediriam que eu falasse mais vezes... Inventei uma palestra nova: “autoridade humanística e eficácia criativa”. E clamei: “menos Kotler! Mais Machado de Assis! Mais Nelson Rodrigues!” E digo agora: “Menos TI e mais tesão!”. Foi bom contar um pouco da história do David Ogilvy para os estudantes: casualmente eu tinha dado uma pesquisada sobre ele para escrever o editorial desta semana, comemorativo aos 60 anos de fundação da agência.
Foi delicioso encontrar muito mais Machado de Assis e Nelson Rodrigues do que “kloterices” na trajetória de Ogilvy. Não é inacreditável que as faculdades de publicidade não estejam promovendo uma semana David Ogilvy agorinha mesmo? Será que só eu me lembrei de aproveitar a data e citá-lo e louvá-lo numa palestra numa faculdade de publicidade para estudantes de uma profissão que ele reinventou, em 1948? Será que eles sabem que existe a publicidade antes e depois de David Ogilvy? Um aluno me disse no fim: “Putz! Esse cara é incrível!”. David, muito prazer... Custo a acreditar que andei apresentando David Ogilvy para estudantes de publicidade.
Mas não foi só isso o que me inspirou para a palestra, a formidável história do David Ogilvy. E, confesso, nem foi o que me inspirou mais; terá ocupado, no máximo, dez minutos em duas horas de papo.
O segredo que acelerava o meu coração, numa excitação sem precedentes, foi um presente que ganhei do meu amigo Décio Vomero. É preciso me conhecer muito bem para me presentear, precisamente, com o livro “De castelo em castelo”, de Louis-Ferdinand Cèline.
Eu me achava o rebelde, o rei da cocada preta do “fazer tudo ao contrário”, do enfrentamento com as “verdades absolutas”, o avacalhador dos que se levam a sério demais, dos que vão para reuniões de board carregando batutas de maestro... Muita presunção eu ter até agora me achado aquele que “renunciou à carreira” para não ter que suportar reuniões de board com chefes que carregam uma batuta de maestro e giram a cadeira para lá e para cá, ao conceder, pacientemente, ouvidos à plebe ignara.
Pobre de mim, aprendiz de rebelde, aspirante à “l’ancient terrible”, quanta presunção. Vocês precisam ler “De castelo em castelo”, de Cèline. Na viagem de Congonhas a Presidente Prudente tive uma crise de riso que quase me amarram no assento achando que eu estava louco. Deixei cair o livro, desmarquei a página, me trouxeram água, os outros passageiros ficaram desconfortáveis – é sempre aflitivo pensar em soluções para problemas criados numa coisa flutuando no ar com todo mundo dentro.
E tudo que Cèline contava eram os passeios no Bateau Mouche, ocasião em que os pais levavam as crianças do subúrbio, intoxicadas pelo gás dos lampiões, para tomar ar sobre o Sena. Sim, um passeio para respirar. Em detalhes. E eu tive um acesso como há muito não tinha, quase histérico, de tanto rir. “Autoridade humanística”, inventei, como tema de palestra. Será que inventei? Duvido, algum acadêmico já deve ter feito isso. E não contou para os alunos? Então, não serve para nada. Eu inventei de dividir com eles. Inspirado por Ogilvy e por Cèline, embalei duas horas de conversa. ”Autoridade humanística”. O que é isso?
Capacidade de convencer os outros, ou seja, habilitação para a publicidade, a única coisa que deveria justificar aquele diploma que recebemos ao final do curso. O que é que faz a diferença? Vocês estudarem aquilo que ninguém manda vocês estudarem. Puxa, mas é tão simples assim? Ué, mas não parece lógico? Sim, é de uma lógica quase idiota. Cèline quase me faz ser amarrado na cadeira de um turboélice, gargalhando, espumando, babando, achei que ia ter uma coisa mais séria... E ele morreu em 1961! E quase me mata em 2008!
Cèline nem sonhava com a crise dos derivativos que ocupava a leitura dos outros passageiros, compenetrados, taciturnos, angustiados... O que será de nós se a bolha estourar? Não sei. Só sei que a coisa mais valiosa que eu tenho nas mãos hoje eu ganhei de presente. Minha mãe dizia, quando eu me queimava, “não deixa a bolha estourar senão infecciona e aí tem que amputar a mão”. E, então, eu protegia aquela bolha como a própria vida. Mãe é mãe.
Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing.
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29.9.08
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