1.10.08

Igreja: Oásis, Deserto ou Campo de Batalha? (3)

Não se pode fugir do contexto. E o contexto religioso brasileiro passou a refletir polarizações: Estados Unidos vs. União Soviética; Direita vs. Esquerda; Liberalismo vs. Fundamentalismo; Evangelho Social vs. Evangelho Individual; Criacionismo vs. Evolucionismo; Tradicionais vs. Renovados, e, assim, por diante.

A partir de 1969, passei a escrever a coluna dominical evangélica do Jornal do Commércio, do Recife, por dez anos; em 1972 lancei o meu primeiro opúsculo: Cristo na Universidade Brasileira, e fui me envolvendo com a mídia (programas de Rádio e TV), outros livros, artigos em jornais e revistas, palestras ali e acolá. Trabalhei com História da Igreja (Geral e Brasil), com Teologia Contemporânea, Teologia Latino-Americana, Ética Social, e, em particular, mexendo com dois vespeiros: Política e Sexualidade.

Nos departamentos de Ciências Sociais me perguntavam: "Como pode um cientista político ser um evangélico"; nas Igrejas me perguntavam: "Como pode um evangélico ser um cientista político?". Por me posicionar como um social-cristão, fui considerado um direitista pela esquerda e um esquerdista pela direita. E o pior, em um mesmo ano, fui tachado, por grupos diferentes, de "comunista" e de "espião do SNI e da CIA". Como defensor da Missão Integral da Igreja, fui tido como um "fundamentalista sofisticado" pelos da Teologia da Libertação, e um "libertacionista disfarçado" pelos fundamentalistas.

Por ser um calvinista moderado que crê na contemporaneidade dos dons espirituais, não era considerado confiável, nem pelos tradicionais, nem pelos renovados. Por simpatizar com o criacionismo evolutivo (Bernard Ramm), desagradava criacionistas e evolucionistas "puros". Depois, viriam as críticas por me posicionar a favor dos cristãos palestinos, por defender a incorporação de elementos da cultura africana em nosso Cristianismo, por ser candidato a deputado federal contra a ditadura, por coordenar campanhas de candidatos de esquerda (particularmente Lula, em 1989 e 1994), por ser militante do PT e, então, da CUT etc. Não por um desejo de ser diferente, mas por uma trajetória de vida, terminei por não ser "típico" e a desagradar a muitos.

Aí venho a ser eleito Bispo, em uma eleição em que fui considerado um "mal menor" por ambos os pólos. A Pós-Modernidade causou um profundo impacto na Cristandade Ocidental, atingindo em cheio a Comunhão Anglicana, com o relativismo e a defesa de uma inclusividade ilimitada (vale tudo, em termos de doutrina e de ética). Sai o evangélico George Carey, como Arcebispo de Cantuária, entra o liberal-católico Rowan Williams. A Província Anglicana do Brasil (IEAB) vai avançando, a passos largos, em seu alinhamento com o liberalismo revisionista pós-moderno da Igreja Episcopal (dos EUA).

Nas esferas internacional e nacional, passo a conhecer uma escalada de conflitos, a Igreja oásis e a Igreja deserto, passa a ser a Igreja campo de batalha (lançando-se mão de todas as armas, e de golpes baixos). Além disso, no Brasil, o protestantismo se fragmentava, surgia e se expandia o pseudo-pentecostalismo, e a imagem pública dos pastores entra em um grande desgaste, pela falta de ética. Imagine ter de sobreviver e ministrar em um contexto como esse!

Internamente, na Diocese Anglicana do Recife, descubro que estava diante de três ficções:
Não existia uma Diocese;
Não existia Anglicanismo na "Diocese";
Não existia a instituição do Episcopado (eu era um "bispo sem bispado", ou um "bispo-porcina": aquele que foi sem nunca ter sido...). A "Diocese" tinha um "dono", era uma colagem, em amplas proporções, de projetos pessoais, instrumentalizada.

Restavam-me duas opções:

Fazer-me de "morto" e deixar cada um fazer o que quisesse, contentando-se a uma função simbólica, burocrática e litúrgica;

Tentar que a Diocese fosse Diocese, que fosse uma Diocese Anglicana e que o Bispo exercesse o Episcopado, conforme prescreviam os Cânones Gerais e os Cânones Diocesanos, a Tradição da Igreja e as Resoluções das Conferências de Lambeth. Ou seja, o óbvio.

A segunda opção, com seus cismas e resistências ao nível interno, e as perseguições ao nível externo, me fizeram vivenciar, até hoje, com tristeza (mas sem alternativa), a "Igreja campo de batalha", pior do que a "Igreja deserto", e saudoso da "Igreja oásis", que eu sei que é possível, não pela fuga, isolacionismo ou censura, mas pelos laços de afeição, identidade, crenças e objetivos convergentes, compromisso com as Escrituras, valorização da tradição, respeito a Lei, e a Autoridade.

Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.

Leia +

Nenhum comentário:

Blog Widget by LinkWithin