Cortinas descem sobre o palco. A atriz se arrasta, abatida, rumo ao camarim. Uma vez despido das vestes clericais, o sacerdote engole o choro de sua solidão. Sem uniforme, o general não consegue abraçar o filho adolescente. Sillencioso, o filósofo sofre o fim do seu casamento- "Por que ela me chamou de intolerável?"
A humanidade é mera sombra do desejo de ser; não passa de instinto indomável; uma vulgar contradição de si mesma, contorce-se na lama existencial.
Porém, longe do olhar dos admiradores, a atriz lambe os lábios enquanto degusta o vinho ou ama gostosamente. Perto dos filhos, o sacerdote se descuida do dever piedoso e sorri feliz. Enquanto pesca, o general escuta Bach com nobreza porque vislumbra, na música, a face divina. No ciclo de debates, o filósofo encanta porque é paciente com os questionamentos do auditório.
Sobranceira, senhora de si, mas sempre surpreendentemente paradoxal, a humanidade permanece a mais fulgurante jóia do universo.
Nesse equilíbrio, entre sombras e luzes, a vida escorre frágil. A virtude hesita no abismo que separa a boa intenção da dissimulação; o ódio se contrafaz como defesa da justiça; a inveja se traveste para parecer apreciação; covardia se alia à prudência. O placar existencial permanece em desvantagem e por mais que se esforce, a humanidade não consegue empatar a peleja.
Esperança é o sonho de se juntarem felicidade e virtude, bondade e justiça, integridade e tranqüilidade, sinceridade e ação. Todavia, é preciso esperar o além da história, quando despontará um novo amanhã; o amanhã do Grande Banquete. Naquele dia, partilharão da mesma mesa, atrizes, sacerdotes, generais e filósofos. E todos serão irmãos.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
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1.11.08
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