Tinha vergonha de minha mãe.
Ela trabalhava na escola de servente. Logo na escola em que estudava.
Lavava os banheiros e limpava as salas. Durante a aula, não colocava nenhum papel no chão, nenhum madeira do apontador, nenhum espiral das folhas porque ela teria que levantar. Eu sabia que ela levantaria. Entristecia-me quando um colega soprava farelos de bolo de sua carteira para o parquê. Em pensamento, minha mãe recolheria o fermento desmoronado com sua pazinha e vassoura.
Quando ele estava em serviço, não a cumprimentava, ainda mais acompanhado de meus amigos. Eu queria, mas não conseguia formular sopro e saliva. Parece fácil e natural dizer oi para a mãe, mas não é. Quando me encorajava a subir a voz, ela baixava a cabeça com meu constrangimento e não estávamos mais próximos. Dois corredores paralelos. O único saguão que nos encontrávamos terminava sendo nossa casa.
Ela me criava sozinho. Não conheci meu pai. Recortava homens de revistas velhas para colar no lugar dele nos álbuns de família. Burt Lancaster, Paul Newman, Marlon Brando. Minha mãe foi deixando para não entrar em detalhes. Não perguntava, ela não respondia, nosso contentamento vinha da escova de suas mãos arrumando minha franja. "Vai com Deus".
No final da segunda série, a professora pediu para que os alunos escrevessem uma redação falando de seus pais. Precisavam dizer o que faziam, qual a sua profissão.
Fui emborcado de timidez. Rubor. Fui ao banheiro chorar, quarar o rosto, aguardar que o tempo passasse rápido e a turma esquecesse de mim. Dois períodos para confessar o que não podia; os colegas iriam caçoar de mim a vida inteira. Minha mãe me viu gemendo, e entrou no banheiro.
- Sai, não pode vir aqui, mãe!É banheiro masculino...
Ela me alcançou pelo choro. Entendeu que era meu choro, como só nossa mãe compreende entre milhares de choro na praça, no recreio, no mercado.
- Posso sim, filho, tenho todas as chaves da escola.
Eu cedi o colo, me aqueci no seu abraço de avental e voltei antes que alguém me descobrisse agarrado no pescoço da servente.
De volta, eu me apresentei. Na frente do quadro-negro. Tremendo as pernas. O silêncio dos outros era de bala na boca. Não entendo como aconteceu, o rebuliço desalinhado. Aquelas palavras engasgadas vieram. Aquelas palavras atrasadas, aqueles acenos nos bolsos, aquele pescoço deitado. Um dia viriam.
"Minha mãe tem todas as chaves da escola. Pode abrir todas as portas. Ela conhece todos os segredos. Não há melhor trabalho do que ser servente, pois não podemos esconder nada dela. Nem o que sentimos. Nem o que fazemos de errado."
arte: Lucian Freud
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Um comentário:
Muito linda e comovente!
Haverá, infelizmente, muitas crianças e jovens, com vergonha dos seus progenitores.
Eis aqui uma boa oportunidade de reflexão.
Parabéns pela bilhante ideia de a postar aqui.
Saudações
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