15.11.08

Os (não tão) velhos católicos

O Concílio Vaticano I (1869-70), sob Pio IX, foi chamado de “o segundo Trento”, por seu caráter conservador. Encerrado abruptamente pela tomada de Roma pelas tropas nacionalistas que queriam unificar a Itália, nele foi decretado o controvertido dogma da “Infalibilidade Papal”, sob forte resistência de uma parcela expressiva dos conciliares. Dentre os pensadores que se opunham ao novo dogma estava Johann Joseph Ignaz Dollinger. Os perdedores saíram (ou foram expulsos) da Igreja Romana, e resolveram criar uma nova instituição, e foram buscar auxílio na Holanda.

Com o domínio da calvinista dinastia de Orange, a Holanda (como a Inglaterra) não teve uma hierarquia católica romana por dois séculos, sendo liderada por Vigários Apostólicos ou Legados Papais. Um deles, Petrus Code (1702), foi demitido, mas se tornou bispo de Utrecht, recebendo sucessão apostólica dos seus amigos jansenistas (de Port-Royal, França), um movimento místico, austero e nacionalista condenado pelo Papa.

Os dissidentes do Concílio Vaticano I se uniram aos holandeses e fundaram a Igreja dos Véteros (Antigos, Velhos) Católicos da União do Utrecht (www.oldcatholicchurch.net) com Dioceses na Holanda, Áustria, Alemanha, Suíça, República Checa e Polônia, missões na França, Itália, Suécia, Dinamarca, Croácia, Canadá e Estados Unidos, totalizando hoje mais de 300 mil membros, sob um Bispo Presidente, eleito por seus pares.

Em 24 de setembro de 1889, foi aprovada a Declaração de Utrecht como documento doutrinário, rejeitando todos os dogmas “posteriores” (como a infalibilidade papal e a imaculada conceição), enfatizando um compromisso com a Igreja primitiva e as decisões dos primeiros Concílios (antes da separação formal entre Roma e Constantinopla no século XI), usando a liturgia no vernáculo, permitindo o casamento dos sacerdotes e afirmando a presença real na Eucaristia, mas não a transubstanciação.

Em 1932 assinaram um tratado de intercomunhão com a Igreja da Inglaterra, e formam o mais antigo tratado de um ramo cristão com a Comunhão Anglicana. Eles têm correntes internas mais “católicas” e mais “reformadas”, sofrendo – como tudo na Europa – recente influência do Liberalismo teológico.

Pelo mundo a fora, há muitos grupos independentes que se auto-intitulam de “vétero católicos”, mas que não são reconhecidos pela União de Utrecht. Há poucos anos, recebi uma carta do secretário geral do Bispo Presidente afirmando que no Brasil não há nenhum grupo a eles vinculado, não pretendem abrir missões em nosso País, e que aconselham os seus membros que vem aqui residir e os seus simpatizantes a procurar uma Igreja Anglicana.

Os vétero católicos não devem ser confundidos com uma instituição posterior: a Associação Internacional das Igrejas Católicas Nacionais, a qual é filiada a Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB), pois estas são iguais a Roma em tudo, menos no papado, apenas cismáticas, mas não teologicamente dissidentes.

Vale à pena lembrar que a proposta de se estabelecer Igrejas católicas nacionais reformadas foi defendida em países da América Latina nos seus primórdios. No México não teve o êxito que poderia ter tido dado à mente fechada dos bispos anglo-católicos na Igreja Episcopal dos Estados Unidos, que se recusaram a ordenar bispos mexicanos, por ser aquele um país pretensamente “cristão”. No Brasil a idéia era defendida pelo Regente Padre Feijó.

O que teria acontecido ao cenário religioso brasileiro se a proposta de Feijó tivesse sido implementada?

Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.

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