17.1.09

Dez teses sobre o ódio

LAMENTO , mas não vou ter com você, leitor sensível, uma conversa de salão sobre o ódio em Gaza. Conversas de salão são aquelas onde políticos, éticos de plantão e amantes da humanidade desfilam sua indignação chique com o descaso das guerras com a dignidade humana -é fácil discutir o quintal alheio. Como sou um simples colunista, devo levar você, caro leitor sensível, para fora do salão e ter consigo aquele tipo de conversa que foge aos salamaleques das festas. Veja em mim alguém que simplesmente não gosta de festas.

O ódio no Oriente Médio tem milhares de anos. O nome dele hoje é Gaza, Hamas, Israel. Todo mundo acha que sabe como solucioná-lo. Os últimos que tiveram algum sucesso foram os romanos.

Em meio a este ódio milenar, a verdade é, como diria o historiador francês Renan, "uma nuance entre mil erros". Diante da delicadeza dessa verdade, esboçarei dez pequenas teses sobre este ódio.

Não sofro da mania científica, graças ao ceticismo, que em mim não é uma crença no erro inevitável de tudo que pensamos, mas sim uma vigília sobre nossa miséria moral e intelectual. Essas teses são fruto da experiência de quem viveu em Israel duas vezes (uma num kibutz ao lado de Gaza, a outra pesquisando na Universidade de Tel Aviv) e que para lá já foi inúmeras vezes.

1. Crianças morrem em guerras. Guerras são assim: matam todo tipo de gente. É quase uma falsa virtude falar das crianças mortas em Gaza. Todo mundo sabe que guerra é uma forma da política. Ninguém gosta desse rosto humano, mas ele é humano, demasiado humano.

2. O Hamas usa crianças e escolas como escudo. Esta máfia não se preocupa com a população: crianças palestinas mortas nada mais são do que heróis martirizados. Isso é tão óbvio que não sei como nossos frequentadores de salão não percebem. O Hamas não quer paz, quer a destruição de Israel, e os civis mortos são seu trunfo.

3. Os árabes nunca se interessaram pela questão palestina. Sua retórica é pura conversa de salão. Os árabes usaram os palestinos para "jogar os judeus ao mar". Após a derrota árabe de 1948, a Jordânia ocupou a Cisjordânia e o Egito, Gaza. Em 1967, Israel tomou esses territórios deles e não dos "palestinos". A ditadura egípcia detesta o Hamas e seu fanatismo religioso tanto ou mais do que detesta Israel. Crer na unidade árabe é tão idiota quanto crer que americanos e europeus nos acham iguais a eles.

4. Grande parte da população israelense é paranoica, não confia em ninguém. "Onde estava o mundo quando estávamos em Auschwitz?". Não creem em sutilezas históricas e acham que só são respeitados quando fortes. O antissionismo seria uma face do antissemitismo.

5. Não há solução militar definitiva, onde se mata um terrorista hoje, nascem dois amanhã. Mas os árabes só engoliram Israel por conta do poder militar deste e isso reforça a retórica dos falcões.

6. Muito do que Israel faz é ganhar tempo e tentar garantir que crianças não morram quando vão a escola. Muito do que o Hamas faz é minar esse cotidiano na esperança de que ao longo do tempo o terror dissolva a sociedade israelense e que o ódio religioso una os árabes.

7. A repressão diária da população palestina mina a consciência moral do soldado israelense e isso causa danos ao Estado judeu. Esses danos estão no coração do cálculo terrorista. Reagir a esse cálculo com violência é o modo imediato de enfrentar o medo do terror cotidiano.

8. É ridículo ver ocidentais simpatizarem com os grupos fundamentalistas porque nós não suportaríamos viver com eles. Essa atitude se alimenta da relação infantil que identifica Israel e os EUA aos malvados enquanto o Hamas significaria a luta pela liberdade. É tão ridículo quanto o culto a Cuba.

9. Israel vive um impasse: como sustentar a identidade judaica de Israel sem submissão às leis religiosas? O sionismo não tem futuro: ou é religioso e fanático, e fere a democracia moderna, ou é apenas político e cultural, e portanto racista. Ou Israel rompe com o sionismo e dissolve a identidade judaica do Estado. Rompe-se aqui a falácia judaica moderna por excelência porque não há judaísmo "cultural", só religioso.

10. Judeus e árabes são primos. Primos sempre se matam quando algum patrimônio está em disputa. Este ódio milenar só diminui sob forte pressão militar, ordenamento político e ganho econômico. Só há paz se armada. Não haverá paz no Oriente Médio neste século.

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.

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4 comentários:

Anônimo disse...

Triste é ter que constatar que um ateu percebe com mais clareza uma questão que, em sua essência é religiosa, e que deveríamos dominar por ter a mente de Cristo, mas acho que os crentes pensam que ter a mente de Cristo não precisam pensar.
É freud!

Camila disse...

Finalmente algumas palavras de bom-senso sobre o assunto. Infelizmente é assim mesmo.

Fabinho Silva disse...

Muito ponderado... e triste ver que o mundo é complicado demais. Às vezes tenho recaídas dos meus melhores (ou piores) momentos de dispensacionalismo, e nao consigo deixar de notar nesse "bias" que a maioria tem contra Israel um dedinho de profecia apocaliptica. Evidente ver que aqui, no paraiso tupiniquim, a gente nem se dá conta de como os valores e necessidades sao outros daquele lado de lá. Dá licensa que vou tomar uma cerveja pra relaxar...

Anônimo disse...

Pondé optou por um lado. Aliás, no massacre de Gaza, dá pra ver claramente a trincheira que cada um escolheu.

Interessante, é possível defender qualquer tese, qualquer guerra, qualquer genocídio.

Depois que o pó da história desce, resta a versão do vencedor. Assim, a invasão espanhola virou colonização; e a invasão americana ao Iraque queria virar destituição de um ditador para impor uma democracia.

Israel matou mais de mil e, claro, os palestinos serão culpados...

Ovelha que dialoga com lobo será devorada!

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