17.1.09

Olhos de raposa

Vicente cola seus olhos nos meus. Como uma luneta.

O nariz frio é a ponta de seu dedo me reconhecendo.

Com os rostos próximos, diz que tenho olhos de raposa. Enxerga uma raposa correndo de noite. -

Já viu antes uma raposa?

- Não, não preciso ver para saber como ela é.

O amor é mesmo uma cegueira, desde que não se perca os ouvidos e a boca.

Eu já sinto saudade dele mesmo quando estamos juntos. É uma falta antecipada.

Ele não me entende. Busco explicar saudade para suas pupilas paradas de caçador.

Saudade é não rasgar os selos das cartas na hora de abrir. Umedecê-los com o vapor da chaleira.

Saudade, meu filho, é dormir com dois travesseiros para o corpo não doer pelo excesso da cama.

Saudade é arrumar a mesa quando não jantaremos em casa.

Saudade é esperar a ligação do avô que já morreu.

Saudade é não jogar fora as meias que se desencontraram do seu par.

Saudade é não organizar a bolsa ainda que não se encontre mais nada nela.

Saudade é um poço artesiano coberto por uma tábua.

Saudade é uma parede que descascou tangerinas.

Saudade é errar o caminho quando se vai ao trabalho.

Saudade é quando a gente esconde uma lembrança dentro de uma música. E a música dentro de uma lembrança.

Saudade é adivinhar o tamanho do pátio pelo varal.

Saudade é desamassar as roupas com as unhas.

Saudade é tomar banho no escuro.

Saudade é uma residência de verão com lareira.

Saudade é abrir seu diário antigo e pedir ajuda para entender a letra.

Saudade é um avental com as iniciais bordadas.

Saudade é uma boina com cheiro de funcho.

Saudade é pisar descalço na memória com medo de roseta.

Saudade é lembrar do que que poderia ter acontecido antes de acontecer.

Saudade é imitar o assobio de uma porta.

Saudade é fechar o livro para que ele se abrace.

Saudade é procurar o que não foi extraviado.

Saudade é esquecer o que se falou com Deus.

Saudade é saber a importância do que nunca se teve.

Saudade é reconhecer um amigo da infância no filho.

Saudade é sentar na escadaria de uma igreja só para suspirar os degraus que faltam.

Saudade é parar diante de um mendigo com as mãos vazias.

Saudade é lavar os cabelos do violão.

Saudade é usar o cadarço para costurar duas ruas.

Saudade é escrever o que se precisa ler.

Ao entrar em seu quarto no dia seguinte, escuto sua conversa com a irmã Mariana. Ela o incomodava com tapinhas nos ombros e o enervava com apelidos.

- Quando está longe, só penso coisas boas de você, Mariana. Não estraga a minha saudade.


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Um comentário:

°°Roberta°° disse...

Simplesmente lindo! Doce! Maravilhoso!

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