Nestas plagas, amigo, mesmo quando o filho é adotivo, o talento é hereditário. O sucesso aqui é como um latifúndio, um imóvel, passa-se em cartório. Claro que se a tua cria levar jeito para as artes, mesmo as ludopédicas, melhor ainda. Futuro asseguradíssimo.
Seja no Eixo midiático das modas e imposturas -a ponte Rio-São Paulo-, no Recife assombrado de Gilberto Freyre, na Fortaleza de Nossa Senhora de todas as Assunções ou na Belo Horizonte dos velhos arraiais, currais D´El Rei e dos novos mandatários.
Como um Pêro Lopes, um Duarte Coelho ou um Martim Afonso das velhas Capitanias, vale o brasão heráldico no frontispício ou na fachada. Nada como um século atrás do outro para reafirmar a nossa gloriosa tradição de um batismo bem composto.
Sabes com quem está falando?
Um bom sobrenome, amigo, acende automaticamente o foguetório da glória e da fama. Disso já sabia o velho Pestana, músico frustrado, ainda no século XIX, protagonista do conto “Um homem célebre”, de Machado de Assis. Faltou-lhe uma marca sanguínea mais decente, o que levaria aos píncaros –seu sonho era ser um Schumann, um Mozart. Jamais, porém, para o seu desgosto-mor, o artista passou de um festejado autor de polcas e outras chulas modinhas da praça.
Coitado!
Do mundo de Machadão às telenovelas, com um bom batismo vai-se ao longe, avança-se sempre umas seis casas sem carecer da sorte no jogo de dados ou nos lances cruéis do destino e do acaso.
A não ser que o amigo se contente em ser apenas uma celebridade-miojo, daquelas que fervem e viram gases de três a cinco minutos.
Seja qual for o ramo de atuação, recomendo um mantra sagrado nos Tristes Trópicos: eu tramo, tu conspiras e nós assinamos embaixo.
Faça você um biscoito fino ou um pão bolorento para as massas.
Na falta total de um bom sobrenome, colar, grudar mesmo em quem ostenta uma marca sanguínea impoluta pode ser uma ótima idéia. Ser da “turma”, de alguma forma, é adquirir, sob módica bajulação diária, um parentesco distante.
Eu tramo, tu conspiras e nós assinamos todos embaixo. Feito! Aí é só mandar o motoboy reconher a firma em cartório.
Mais fácil do que empurrar bêbado ladeira abaixo.
“Se liga”, amigo, nas técnicas modernas de alpinismo social e cultural da nova era. “Fazes por ti que eu te ajudarei”, eis o eco bíblico que bafeja o teu cangote montanha arriba.
Só não caia nessa lorota de que as coisas mudaram, tão-somente porque temos um Silva na cumeeira do poder da República.
Nas artes é diferente. Entre agora mesmo naqueles sites que pesquisam árvores genealógicas e descubra o caminho das pedras, uma boa ligação sanguínea com a elite cultural moderna. O que conta é a sua defesa, a sua narrativa, afinal de contas todos fomos filhos do mesmo casal de macacos um dia. Se Darwin é por nós, quem será contra nós nestas hereditárias e bravíssimas capitanias?
Xico Sá, na revista Continuum.
Leia +
6.6.09
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário