Psicologicamente, no íntimo, somos dependentes de rituais, de idéias, de pessoas, de coisas, das posses - ou não somos? Somos dependentes e queremos nos libertar dessa dependência porque ela nos faz sofrer. Enquanto essa dependência é satisfatória, enquanto encontro felicidade nela, não quero ser livre. Mas quando a dependência me faz sofrer, quando a coisa de que dependo foge de mim, fenece, murcha, olha para outra pessoa, desejo libertar-me.
Mas será que quero me libertar por inteiro de todas as dependências psicológicas ou somente daquelas que me fazem sofrer? Obviamente, das dependências e lembranças que me fazem sofrer. Não quero me libertar por completo de todas as dependências; quero apenas me ver livre de alguma dependência particular. Assim, busco meios de me libertar ou peço a outras pessoas que me ajudem a ficar livre de uma dependência específica que me traz dor. Não quero ficar livre do processo total de dependência.
Pode alguém me ajudar a ficar livre, tanto da dependência específica como da total? Será que posso mostrar a vocês o caminho - sendo o caminho a explicação, a palavra, a técnica? Se eu lhes mostrar o caminho, a técnica, se eu lhes der uma explicação, vocês vão ficar livres? Vocês ainda terão um problema, ainda vão ter a dor da dependência, não? Nenhuma demonstração minha, nenhuma discussão sua comigo vai libertá-los da dependência. E o que se deve fazer?
Percebam, por favor, a importância disso. Vocês pedem um método que os liberte de uma dependência particular ou total. O método é uma explicação que vocês vão praticar e viver a fim de se libertarem, não é? Assim, o método se torna uma nova dependência. Tentando se libertar de uma dependência específica, vocês introduzem outra forma de dependência.
Mas se estiverem de fato preocupados com a liberdade total de todas as dependências psicológicas, se realmente estiverem voltados para isso, vocês não vão me pedir um método, o caminho. Nesse caso vocês vão fazer uma pergunta bem diferente, não? Vocês vão perguntar se têm capacidade para lidar com isso, a possibilidade de fazer algo a respeito dessa dependência. Logo, a pergunta não é como se libertar de uma dependência, mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema como um todo?” Se tenho a capacidade, não dependo de ninguém. É só quando digo que não tenho a capacidade que peço: “Ajude-me, por favor; mostre-me o caminho.” Mas se tenho a capacidade para tratar do problema da dependência, não peço a ninguém que me ajude a dissolvê-lo.
Espero estar sendo claro. Julgo muito importante não perguntar “Como?” mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema?” Porque, se sei lidar com ele, estou livre do problema; não procuro mais um método, o caminho. Posso ter a capacidade de tratar do problema da dependência?
Ora, em termos psicológicos, quando vocês fazem essa pergunta a si mesmos, o que acontece? Quando fazem conscientemente a pergunta: “Posso ter a capacidade de me libertar dessa dependência?” o que acontece psicologicamente. Vocês já não estão livres dela? Vocês eram dependentes em termos psicológicos e agora perguntam: “Tenho a capacidade de me libertar?” Está claro que, no momento em que fazem essa pergunta com vigor a si mesmos, já há liberdade com relação a essa dependência (…)
Quando sei que tenho essa capacidade, o problema deixa de existir. Mas como não a tenho, quero alguém que me mostre. Assim, crio o Mestre, o guru, o Salvador, alguém que vai me salvar, que vai me ajudar. Logo, torno-me dependente deles. Mas se tiver a capacidade de resolver, de compreender a questão, tudo fica muito mais simples e deixo de ser dependente.
Isso não quer dizer que eu esteja cheio de autoconfiança. A confiança que vem a existir através do eu, do “si mesmo”, não leva a lugar algum, visto fechar-se em si mesma. Mas a própria pergunta “Posso ter a capacidade de descobrir a realidade?” dá uma introvisão e uma força fora do comum. A pergunta não é se tenho a capacidade - eu não a tenho - mas “Posso ter a capacidade?” Então saberei abrir a porta que a mente sempre vem fechando com suas próprias dúvidas, com suas próprias ansiedades, seus medos, suas experiências, seu conhecimento.
Portanto, quando todo o processo é percebido, a capacidade está presente. Mas essa capacidade não há de ser encontrada mediante nenhum padrão particular de ação (…) Dispondo dessa capacidade, posso tratar de todos os problemas que surgirem. Sempre haverá problemas, incidentes, reações; isso é a vida. Como não sei o que fazer com eles, procuro outras pessoas a fim de descobrir, para perguntar qual a maneira de tratar desses problemas. Mas quando faço a pergunta “Posso ter a capacidade?” isso já é o começo daquela confiança que não é a do “si mesmo”, do eu, que não é a confiança que vem à existência por meio da acumulação, mas a confiança que se renova constantemente a si mesma, não através de alguma experiência ou incidente particular, mas da compreensão, da liberdade, de modo que a mente possa descobrir aquilo que é real.
J. Krishnamurti em Sobre o Amor e a Solidão (Cultrix) [via Amarelo Fosco]
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21.9.08
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