13.10.08

A crise de sempre

Como costumo dizer, a grande vantagem de ter 55 anos é não ter 56 anos. Mas, bobagens à parte, ter vivido um pedaço generoso da existência ajuda a fazer acreditar que quase tudo na vida é especulação, com exceção da vida vivida.

Quando, já faz algum tempo, assisti a uma palestra de um rapaz de vinte e poucos anos, daqueles que bebem um copo de gesso dissolvido em água toda manhã para manter o pescoço duro e o queixo erguido, em que ele afirmava, com voz e expressão de sabedoria, que a globalização era irreversível, segurei o riso. Não por achar que a globalização não fosse irreversível, mas por ver um garoto tão jovem falando em irreversibilidade... Não é interessante?

Acho que o conceito de irreversibilidade deveria ser de uso restrito para maiores de 99 anos. Faria muito mais sentido. Antes disso, não passa de especulação.

O que o moço não percebia é que a globalização que o deslumbrava, ao final dos anos 1990, não significava absolutamente nada de novo. Há mais de dois mil anos, um sujeito muito respeitado chamou seus assessores e passou o seguinte briefing: "ide e levai o evangelho a toda criatura". Ou seja, globalizem um padrão existencial. E, pelo que se viu, deu muito certo.

O empreendimento que ele tocava em Jerusalém se transformou numa multinacional gigantesca e uma das marcas de maior recall da história. A mesma globalização, cerca de mil e quinhentos anos mais tarde, daria início a um processo de colonização que redundaria, inclusive, no fato deste texto estar sendo escrito em português. É a globalização promovendo intervenções culturais do mais economicamente poderoso sobre o menos economicamente poderoso. E ocupamos o que chamamos de Brasil – ocupamos, sim, nós, europeus – ou tem algum tapuia lendo este artigo? E o que isso tem a ver com a crise?

Tenho dito em minhas palestras para micros, pequenos e médios empreendedores que o mercado não é um monstro auto-suficiente, sempre pronto para engolir-nos, mas apenas uma contingência gerada por atitudes humanas. Ou seja, qualquer um pode habilitar-se a interferir no mercado e alterá-lo.

Notadamente com aquelas atitudes que contrariam o comportamento comum. Se for convincente, leva outros a fazerem o mesmo e reconfigura o mercado. Da mesma forma, as crises não são outra coisa senão resultado das atitudes das pessoas em busca de seus objetivos. Há as crises pontuais, de uma época, de um lugar, e aquelas que são recorrentes e movidas, historicamente, sempre pelo mesmo motivo.

A crise econômica que coloca em cheque, hoje, o próprio capitalismo, por exemplo, é produto da mesma motivação que derrubou o socialismo: a vontade de ganhar dinheiro. Sim, por trás da busca por democracia e liberdade de expressão na União Soviética e na chamada cortina de ferro, sempre esteve, principalmente, a vontade de ganhar dinheiro e consumir.

Veja-se a Rússia: bastou cair o regime para transformar-se num mercado consumidor compulsivo do que há de mais supérfluo. A mulher cubana pode declarar amor eterno por Fidel Castro, mas dê a ela um cartão de crédito e uma passagem para Nova York e ela voltará para casa coberta de grifes. Mesmo a um daqueles pobre etíopes, puro osso e a ponto de serem comidos pelos urubus, basta lhes dar água e comida suficientes para que se sintam mais fortinhos, que logo vão pedir uma coca-cola bem gelada, um Big Mac e um tênis Nike, para começar...

O mesmo Papa que diz que "a crise econômica que vivemos prova que o dinheiro é uma ilusão" não abre mão (ou pé) de calçar Versacci. E não está errado nem numa coisa nem na outra. São ilusões tanto o dinheiro quanto o Versacci. Mas e daí? Tire-nos essas ilusões e o que sobra? Apenas espaço para outras ilusões. E, assim, tem sido desde que o mundo é mundo.

As mesmas ilusões que promovem a bonança promovem as crises: num momento, a ilusão de ganhar; em outro, a ilusão de não perder. O problema é que, quando ganhamos, ganhamos principalmente a ilusão de que podemos ganhar mais. E quando vivemos a ilusão de não perder, levamos todos à perda, principalmente porque, ao perdermos a ilusão de ganhar, colocamos a ilusão num patamar de realidade incompatível com o seu valor de mercado. E tudo desaba.

Então, temos a oportunidade de parar para uma reflexão profunda. Reflexão sobre como estivemos iludidos? Errado. Reflexão sobre como podemos começar a ganhar tudo de novo. E lá vamos nós para um novo ciclo de bonança. Até a próxima crise.

Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing

PS.: O Stalimir trocou as marcas. Bento 16 já negou, mas correu o boato que ele adorava calçar Prada. Nenhuma menção ao título daquele filme... hehe

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Um comentário:

Anônimo disse...

"...sujeito muito respeitado", "globalizar "padrão" existencial", "multinacional gigantesca", "marca de maior recall"...Eta comparaçãozinha mais pobre e funesta da obra de Cristo.
Numa coisa o autor está certo e se enquadra bem: Não dá pra levar a sério opinião de gente de menos de 99 anos.
Cada um que me aparece.

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