12.10.08

Deixar Deus ser Deus

Os que afirmam com a mais viva devoção que Deus é indomável são curiosamente os menos dispostos a aceitar as decorrências inevitáveis desse tipo de declaração. O Deus onipotente, que ao lado da igreja e da família compõe o altar de adoração dos fundamentalistas, é uma Autoridade Suprema ironicamente domesticada em coleira de ouro.

Qualquer que ouse libertar Deus de Deus deve entregar seu fígado aos bicos de rapina. Quando Jesus se declarou o Bom Pastor, e disse o impensável absurdo de que não era o Bom Pastor apenas do piedoso rebanho de Israel, o era também de outros redis (Jo 10:16), foi prontamente interpretado como um “endemoninhado” (Jo 10:20). Que espécie de Messias era esse que abraçava a todos, inclusive as sujas ovelhas que pastavam em rebanhos gentios?

Essas inconcebíveis declarações de Jesus levaram até o corretíssimo João Batista a questionar se aquele era realmente o Messias ou se deveriam esperar outro (Lc 7:19). O estilo de vida do Nazareno não fazia em absoluto o tipo tribal dos judeus; era excessivamente inclusivo, descompassadamente universal.

A vida em abundância (Jo 10.10) longe de ser o mérito de um gueto, é um dom universal; uma viscosa lava latente no peito de cada homem, cristão ou muçulmano, hindu ou ateu, que a qualquer momento pode rebentar. Querer condicionar o acesso ao manancial de águas vivas a aceitação indolente de um determinado conjunto de crenças é não apenas insano como indecente.
Domar Deus – ainda que jurando ser Ele indomável – é uma maneira muito eficiente de dominar homens. Deixar Deus ser Deus é cair no delicioso perigo de deixar o outro ser o outro.

Alysson Amorim, no blog Amarelo Fosco.

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