3.1.09

Ciclone tropical

Mirrado, lembro que ficava atrás na procissão familiar, mexendo numa lata encardida ou capturando inços e flores desalinhadas do meio-fio. Eu me distanciava do grupo. Meus pais censuravam as distrações solitárias:

- Ande depressa!

Hoje o que mais costumo escutar deles é:

- Ande mais devagar!

Eu não consigo diminuir o ritmo, sou ofendido de ansioso, inconseqüente, precipitado (não existe hipótese de precipitado ser usado como elogio). Se fosse cachorro, receberia coleira e correntes. Se fosse pássaro, estaria numa gaiola. Se fosse gato, o dono me castraria.

Há pessoas que são neblina, brisa e garoa, que estudam um amante antes de prova. Não tomarão nenhuma atitude sem a certeza da recompensa. Abrem a janela e trancam a porta.

Outras são furacão, imprevisíveis, que não encontrarão relacionamentos mornos, seguros e constantes. Formam uma praia perigosa. Estão sempre em estado de emergência.

Não me organizo. Não projeto, acontece e estou enredado na própria fome. Cogito que é um namoro e vira casamento no segundo dia. Nunca apresentei namorada para minha família, já era esposa. Não repasso leveza em minhas intenções, e sim carga dramática, carência exagerada, promessa de libido eterna. Minhas palavras sufocam a boca. A vida planeja melhor do que eu. Erro em alguma coisa ao permanecer sozinho.

Não faço amigos, faço amores. Tive somente um final de semana solteiro em toda a minha fase adulta. Eu não morro na insônia, espero a manhã chegar para emendar as veias. Estou convencido que me localizo nos arredores de um ciclone. Tento mudar, serenar, encontrar calma e repouso, mas não funciona. Nasci com a franja da tempestade giratória.

Sofro um trauma territorial. É da minha natureza provocar o amplo calor, a umidade e arcar com um oceano tropical debaixo da pele. Provoco furação sem pensar. Vento vontades a 116 km/h, podendo atingir desejos de 320 km/h. Levanto uma casa e logo mergulho nas ruínas e recomeço. Nas separações, saio com os livros e as roupas e deixo a casa.

Tenho que me acostumar que pareço com uma cidade como Louisiana, um país como Filipinas. Já me aconselharam a sair de mim, a procurar um território manso para criar meus filhos.

Mas não sou homem de abandonar meu corpo.

Fabrício Carpinejar
arte: Salvador Dali

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