Literatura é briga de rua.
Alguns autores andam de canivete, outros com garrafa quebrada. Entro no texto com o bolso cheio de pedras. Vou esvaziando com o cansaço.
Para escrever, procuro sempre em pensamento a companhia de um tímido.
Ao lado dele, estou bem protegido. O tímido é o único audacioso que existe. Fiel como um gato com almofada, um cachorro com osso. Não muda de opinião para agradar. Tem a arte marcial das poucas palavras.
Ele não ataca, explode.
O irmão Miguel é meu tímido preferido. Suave e tranqüilo; não merecia nascer numa família excessivamente escandalosa como a nossa. Não grita em público, não canta no chuveiro, não assovia, muito menos se enerva com barbeiragem no trânsito.
Diz obrigado mesmo quando faz um favor. Agradece a si. Não é para menos que se tornou juiz. Seu silêncio já surgia adulto antes de caminhar.
Na escola, nunca arrumou briga, ao contrário do Rodrigo que se engalfinhou em socos e pontapés com um colega durante três recreios consecutivos (foi a maior luta de boxe do colégio Imperatriz Leopoldina) e de mim, que cuspia e cotovelava os oponentes nos jogos de futebol.
Ele nunca perdeu a postura até que um dia alguém de sua turma insinuou que a nossa mãe era uma piranha porque estava separada. Isso que minha mãe nunca mais casou ou namorou após o divórcio.
Com respeitosa mudez, pediu que não me mexesse, deu dois passos para perto da figura insolente, um menino ruivo, como se fosse cumprimentá-lo. Fiquei espantado com sua diplomacia de guerra. De onde tirou o sangue-frio? Chegou rente aos seus ombros e disparou algo em seu ouvido. Não consegui entender, ninguém escutou.
O troglodita de espinhas fechou a boca, resmungou um lamento de gaita e desandou a chorar.
Chorava e se desculpava compulsivamente.
Sem nenhum empurrão e gancho, sem força física alguma, com a simples troca de um sussurro, Miguel espancou o guri.
Tanto que, ao longo dos anos escolares, o fedelho mudava o caminho e fugia quando a gente se aproximava pelos corredores.
Gostaria de saber o que ele pronunciou para desmontar a guarda e o insulto.
Deve ser o verso perfeito que procuro.
Fabrício Carpinejar
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29.11.08
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Um comentário:
Mew amo esse Capinejar, não sei bem o que ele é, ou quem é.
Só sei que ele é...
Crica Pinica
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