24.1.09

Neuroses eclesiásticas (8)

No formato avivado, mais comum no meio pentecostal, existe um “momento de louvor” de longa duração (geralmente uma hora inteira). Ele tem uma finalidade diferente: servir de “desafogo” das tensões; a palavra de ordem é “celebração”. O canto e o acompanhamento musical são geralmente ensaiados e performados por um grupo grande, que, escorado na amplificação do
som, faz com que a música e as canções “encham” o ambiente, enlevando o público presente (ao mesmo tempo em que afasta e irrita os vizinhos...).

Assim o povo, sempre em pé, é levado a sentir emoções através da música, praticamente da mesma forma que as grandes bandas de rock secular procedem em seus shows. Na igreja, porém, são inspirados sentimentos de pertencer a Deus e a Sua família, sentimentos de alegria e participação na glória vitoriosa de Deus. O altíssimo volume da música, aliado aos comentários incentivadores dos ministrantes, dirige esse “sentimento coletivo”. E a insensibilidade para com os vizinhos fica escancarada, no máximo disfarçada de “querer encher a cidade com nossas verdades”, mas na prática está claro que não nos interessamos por eles como pessoas.

Nesses cultos, o louvor (freqüentemente confundido com adoração) tem um sentido próprio, uma unidade fechada em si mesma, independente também da pregação que o sucederá. É como se Deus fosse transmitir duas mensagens por culto (e ainda uma terceira, em caso de haver testemunhos pessoais), sem falar da hora da contribuição financeira. Mas um traço é comum em todos os lugares que praticam esse estilo de louvor: há pouco ou nenhum lugar para contrição e tristeza. A impressão, praticamente se contrapondo às mensagens pregadas, é que Deus sempre espera que estejamos alegres, domingo após domingo.

Essa “injeção de ânimo” ajuda e abençoa a muitos crentes que por ela esperam. Mas com o tempo, como com qualquer remédio ou droga de uso muito repetido, muitas pessoas vão percebendo que seus estados de espírito “reais” não são bem-vindos. E a decepção piora as coisas porque, ao perceber essa menor mobilização da platéia, o dirigente do louvor lançará mão de recursos tais como: “levante-se, abrace seu irmão ao lado e diga: Deus te ama”.

Naturalmente o dirigente tem a melhor das intenções, mas ele está manipulando a congregação, e se deixando guiar pelos seus próprios sentimentos e limitações (no caso deste exemplo, provavelmente será a sua necessidade pessoal de ver seu trabalho fazendo todo mundo feliz e se abraçando). Como conseqüência, é encorajada uma artificialidade dos relacionamentos, e o aspecto exterior (comportamento) substitui o interior (coração). Por mais que cantemos e repitamos a frase bíblica, não estaremos adorando “em espírito e em verdade”.

Freqüentando um ambiente assim enquanto vivem sua vida cotidiana, como estará o íntimo dos cristãos?

4. O clima no coração dos cristãos

Convido você, leitor e leitora, a olhar para dentro de si mesmo, até para ver se minha observação coincide com a sua:

Imagine Deus olhando para você agora (experimente fechar os olhos por um instante) Qual seria a expressão do rosto dEle? Ao olhar para você, Deus parece feliz, sério ou triste?

Como na verdade não vemos a face de Deus, podemos dizer que nossa imaginação é uma boa medida de projeção da nossa imagem de Deus. Ou do “nosso Deus”, por assim dizer, que fomos criando e internalizando conforme vivemos no ambiente da igreja e da família.

Outra pergunta que pode nos ajudar: qual é a sua principal preocupação perante Deus? Ao estar consciente da presença de Deus, do que você lembra? Que tipo de oração você faz mais freqüentemente?

Karl Kepler, psicólogo, pastor e teólogo.

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