14.2.09

Encadernado pela imaginação

Na véspera do ano letivo, eu adivinhava que ficaria a noite acordado com a minha mãe na cozinha.

Ela comprava blocos simples para seus quatro filhos, já que não tinha recursos suficientes para adquirir cadernos de capa dura.

Uma tristeza me abatia no início; uma frustração, nunca poderia competir com as figuras de desenho animado das capas da turma. Pernalonga, Mickey e Cebolinha sorriam nas mesas ao lado. Queria ser como eles, não diferente.

Meus cadernos vestiam roupas iguais às minhas, sem estampas.

Alheia ao meu desapontamento, ela tomava folhas imensas de papel de presente e celofane e encadernava um por um dos volumes. Dobrava nas pontas, e explicava todos os movimentos de durex e doçura. A tesoura iluminava suas mãos como um súbito esmalte cinza.

Pedia para que respirasse o caderno novo, depois algum livro e dizia:

- Não há cheiro melhor. O cheiro é o caráter do livro.

Com a velocidade de um escorregador, logo deslizava do papel para minha nuca para brincar que eu era sua caligrafia predileta.

Desde lá, eu contraio os ombros quando recebo um beijo no pescoço. É impossível controlar o arrepio se ele vem desde a infância.

Mesmo trabalhando dois turnos, cozinhando, cuidando sozinha da casa, a mãe encontrava tempo na madrugada para embrulhar vinte cadernos e distribuí-los nas mochilas com a ordem de um jardim.

Não sei quando dormia. Não sei quando acordava. Não sei quando saía. Não sei quando chegava. Mas estava sempre lá quando a gente precisava. Bem humorada, retirava fantoches da pobreza do pano.

Deixava os blocos atraentes, novos. Como se fosse uma costureira e sua máquina preta, como se fosse uma cozinheira separando os grãos sadios dos doentes no alguidar.

Durante a aula, tentava esconder a superfície do meu material dos olhares curiosos da classe. Colocava os dois braços por cima para ninguém espiar e descobrir que me faltava dinheiro. Simulava castigo. Uma preguiça orgulhosa, dormindo protegido na almofada das letras.

Mas os colegas empurravam meu corpo, cruéis com as novidades do primeiro dia.

- Deixa ver? Deixa ver?

Abria os dedos com timidez contrariada.

- Que lindo. Onde você comprou?

Lembrei do capricho materno arrumando as folhas, juntando os recortes e fazendo os conjuntos tão pessoais que éramos – eu e os irmãos – os únicos da escola a contar com aquela fachada íntima e colorida de diário.

- Onde comprei? Da imaginação de minha mãe.
arte: Leonardo da Vinci
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