Quando fui patrão de cerca de 40 pessoas, não havia ninguém a quem o fantasma do desemprego rondasse mais ameaçador do que a mim. É uma percepção interessante essa: enquanto ao empregado sempre se oferece a prerrogativa de tornar-se patrão, ao patrão só resta, ao dar com os burros n’água, a quebra. A um desempregado ocorrerá dizer: “Já que me falta emprego tratarei eu de tocar meu próprio negócio. E o farei, certamente, melhor que o meu patrão, esse incompetente”. E o que dirá o patrão que, ao demitir, sinaliza certa tendência descendente, ao chegar no fundo do poço? “Fracassei, pronto. Emprego-me outra vez, que mal haverá nisso?”, iludir-se-á.
Então, nos cafés, nos corredores, nos fumódromos, vozes sussurrantes lembrarão: “Sabes aquele? Foi patrão, ganhou milhões; agora, empregado, contenta-se com dez mil”. E olharão para ele de viés, pois que “rei posto, rei morto”.. Pior do que a imagem de qualquer empregado profissional será sempre a impressão que causa o ex-patrão iniciante, pois que, aos olhos alheios, na quebra há apenas demérito, enquanto que no desemprego caberá dizer “era eu muita areia para aquele caminhãozinho”.
Mesmo reempregado, não faltarão circunstâncias com potencial humilhante ao ex-patrão. Como ouvir, numa reunião de chamamento às consciências, a respeito de si: “Fulano sabe muito bem disso (não é, Fulano?), pois que já foi patrão e por não atentar à coisa, bem...”. Além de referência de fracasso nos negócios, converte-se em justificativa para a contenção de gastos.
Será encarado com raiva silenciosa: “Que temos nós com essa maldição? Não estivesse por aqui o traste não ocorreria a nosso patrão dramatizar sua mesquinhez. Vai-te, agouro!”..
Nosso mercado começa a coalhar-se de demitidos. Cavalos de raça, acostumados a quem os escovasse toda a manhã, pronto veem-se a cutucar-se uns aos outros num cercado barato. O lustro do pelo se apaga, as moscas se atrevem. E o pior: a crise é injusta, tremendamente injusta. Ao primeiro dia, em que o, até ontem, marajá vê-se no olho da rua, faz-se do ocorrido escândalo: “Oh! Quem diria? O mundo está perdido! Um homem desses à baila?”.
No segundo, crê-se, ainda, que logo o tal se recoloca: “Questão de tempo e arranja-se; é um gênio”. No terceiro dia, fazemos impressão: “Quiçá já não era o bicho...”. Triste. Mas o fato é que, em tempos bicudos, quase não há ninguém em paz. E podem crer: os mais atormentados são os patrões. Como palhaços de circo, gastam horas infindas a maquiar-se para o espetáculo cotidiano: “Não, nunca, jamais me perceberão no semblante o traço inconfundível do medo”. E dê-lhe reboco à máscara! O ar anda carregado de um silêncio tenebroso.
Como engenheiros de suas próprias pontes, mantém-se todos sobre elas a inspirar confiança nos passantes: “Pois tratem de ver como está firme”. Embaixo, o rio, revolto, veloz, carrega carcaças. “De onde vem isso, santo Deus?”. Caminhamos céleres para um rearranjo, uma reconfiguração brutal do mercado, com todos os prejuízos e com todas as oportunidades que os sacolejos violentos da natureza sempre hão de provocar.
Aqueles que aprenderam a amar as paisagens terão que confortar-se com o que gravaram delas na retina, pois que será outro o panorama, removidos os escombros. Aqueles que sabem da vida já estão com os arados à mão. Depois do aluvião vem a hora de plantar, como às margens do Tigre e do Eufrates. Sempre foi assim. Talvez andássemos demasiado felizes por motivos equivocados, daí, agora, essa dor tão profunda: “Que diabos! Que diabos! Como pode um litro de uísque sair de graça num dia e, no outro, custar as calças?”. Um amigo, já encanecido, me assoprou: “Está quase na minha hora...”. Um ano atrás, diria que, com tal comentário, estivesse a contar-me que morria.
Hoje, reconheço em seu sorriso suave, que fala da oportunidade de ocupar um espaço no mercado. Este é e será sempre o verdadeiro encanto da vida: a brutal indiferença da natureza inanimada, diante do entusiasmo dos homens. A matemática desobediente, indomável, volta, de tempos em tempos, ao seu curso natural, espalhando prejuízos tremendos e enterrando gente poderosa em lodaçais de dívidas... Seria tão simples assim dizer e ouvir: “Escuta, não cabe...”. Mas quem se importa? “Sabes que não cabe? Pois então fica fora que, assim, caibo eu...”. E agora? Teremos de reaprender a olhar de ângulos diferentes.
Compreender o significado de descobrir que, à frente (quem diria?), há tanta coisa boa: o que já fomos, por exemplo...
Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing.
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16.2.09
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