14.2.09

Neuroses eclesiásticas (10)

Toda essa participação em cultos e atividades é ensinada como sendo “para Deus”. Dedicar seu tempo para Deus (na verdade, “para a igreja”), então, acaba sendo entendido como retirar tempo de convívio com seus familiares, e utilizálo para as atividades da grade de programação da igreja.

É claro que alguma dedicação é positiva, e faz bem para nós próprios também; mas com esse nível de ativismo de nossas igrejas não é de admirar que pouco ouvimos falar de versos da Bíblia tais como I Timóteo 5.8: “Se alguém não cuida dos seus, e especialmente dos da sua família, tem negado a fé, e é pior que um incrédulo”.

Muitas vezes, na ânsia por obedecer e por fazer a vontade de Deus, temos praticado o mesmo pecado que Jesus condenou nos fariseus: em vez de cuidar dos nossos familiares, dedicamos “a Deus” nosso tempo e dinheiro (na verdade, dedicamos à igreja), e descuidamos da família. A começar por nós pastores...

DIAGNÓSTICO TENTATIVO

Depois de termos investigado essas cinco áreas, e especialmente o nosso coração, acredito que podemos tentar um diagnóstico da principal causa de nossos problemas, possivelmente também a causa da crise da igreja.

Dito pura e simplesmente, o mal de que nós cristãos sofremos é o medo. Ou então, para utilizarmos as palavras de João: o sentimento de que “sobre nós permanece a ira de Deus”. Há várias outras opiniões sobre qual seria a necessidade ou a situação da igreja brasileira, e muitas delas são pertinentes.

Uma corrente crescente em nosso meio crê que o problema da igreja é a excessiva facilidade oferecida no cristianismo atual, o foco em bênçãos materiais e outras vantagens e conquistas para esta vida, não havendo mais nenhum resquício do necessário temor de Deus. Eu não discordo desses irmãos, e também penso que muito do que se prega por aí não é o evangelho, mas apenas “marketing” de coisas agradáveis, para “servir ao próprio ventre” e não à cruz de Cristo.

Neste trabalho aqui, porém, estamos procurando outra perspectiva para nossa análise: buscamos o caminho do coração, buscamos entender as motivações que nos levam a fazer, falar, ou a não fazer nem falar. Mais importante do que a obediência é discernir a razão da obediência, ou melhor ainda, o sentimento que nos leva a viver e agir dessa ou daquela forma. Assim, textos como: “Deus ama ao que dá com alegria”, “graças a Deus que obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues” e outros semelhantes são nosso norte neste diagnóstico tentativo.

E nesse diagnóstico o sentimento que mais temos encontrado – em relação a Deus – é o medo. Isso precisa ser trazido à tona e tratado, senão acabará anulando e desqualificando qualquer obediência, a exemplo da igreja de Éfeso nas cartas do Apocalipse: ela tinha muitas obras, muita perseverança e firmeza, mas perdeu o elemento vital, que é o amor a Jesus.

Karl Kepler, psicólogo, pastor e teólogo.

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3 comentários:

Roger disse...

É quase impossível ouvir uma pregação, sermão, ou seja lá o nome que for, onde 'servir à Deus' não seja explicado como 'dar-se à igreja'...

Temo que os próprios pregadores já não saibam mais definir o que é Deus e o que é igreja...

O erro já nasce no púlpito...

Com isso, criam-se neuras e traumas, porque se servir à Deus, é dar-se à igreja (para suas necessidades, caprichos e ordenanças instituicionais), chega-se então a conclusão que servir à Deus é algo ruim...

Quem já viveu tudo isso sabe bem o que quero dizer...

Mas como pode ser diferente, se ao ligarmos a TV, ou o rádio, ou ao irmos às igrejas, ouvimos apenas essa tipo de ensino?

Acho que é aí que a presença do Espírito Santo na mente e coração do homem, se faz mais necessária do que nunca foi antes...

Que se cumpra a palavra:

"Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele." - João 14.21

Volney Faustini disse...

Na interessantíssima série de Karl Kepler, vemos um retrato triste da caricatura em que tem se transformado a Noiva.

Ressaltou bem quando coloca o dedo na ferida: programação. O ativismo pressupõe coisas ao invés de gente. E aí começamos a abandonar a nossa própria família, para cuidar de outras coisas. A igreja não pode ser de "O QUE" mas sim de "QUEM" ´- pessoas, gente, irmãos!

Uma igreja missional está tomando forma - baseada no amor, como bem menciona o Roger.

Eliézer disse...

Baixei o e-book e o devorei em uma tarde. A lucidez do Karl em analisar o contexto da atual igreja evangélica é impactante e somente que está ainda imerso de corpo e alma na estrutura viciada das igrejas de hoje não consegue concordar com o que ele diagnostica.

Longe de achar que tudo que ele escreveu tenha que ser unanimidade entre os "revoltados" com o sistema religioso em vigor, vejo que este é um bom ponto de partida para tentar voltar de onde a igreja caiu.

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