Uma viagem de ácido sobre Dom Casmurro. É a definição que melhor resume minha opinião sobre a microssérie Capitu, inspirada em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Reli o livro no início do ano e só pude ter ainda mais certeza que adoro a história e que acho o máximo a sutileza e ironia do autor.
Fiquei sabendo da microssérie através de uma twittada do Inagaki, que me levou à leitura coletiva. Claro que a partir daí esperei ansiosamente a noite de ontem e até desmarquei um compromisso por causa disso. Não vou dizer que me arrependi de ter cancelado meu compromisso para ver a estréia de Capitu. Não posso dizer isso. Mas também não posso dizer que foi uma experiência tão envolvente quanto a leitura do livro.
É uma alucinação guiada por Bentinho. É fiel ao livro, sim. Mas tudo é rápido demais (em cinco capítulos teria mesmo que ser rápido). São pinceladas de Dom Casmurro. Pinceladas suficientes para fazer com que a narrativa seja compreendida, mas não o suficiente para ser fisgado pelas tramas de Machado de Assis.
Tudo se passa de uma forma teatral, não há cenários (não cenários “normais”), é uma espécie de Dogville Machadiano, numa estética de videoclipe. Tudo é lindo e enche os olhos: cores, formas, figurinos, maquiagem, fotografia. Antigo e contemporâneo se mesclam (a cena inicial se passa no metrô, a tatuagem da atriz que interpreta a Capitu jovem não foi escondida, Beirut faz parte da trilha sonora e talvez outros elementos que me tenham passados despercebidos). A mistura é interessante e não chega a chocar, mas não é o que há de mais brilhante.
Brilhante mesmo é a atuação de Michel Melamed que faz o Bentinho já na idade adulta, o Bento Santiago, narrador da história. Uma composição perfeita de um personagem atormentado pelas dúvidas do passado, mergulhado em reminiscências e tédio, nostalgia e resignação. Ele expressa muito bem tanto o êxtase de quem relembra lindas cenas da juventude, quanto a amargura de quem acredita ter sido vítima e algoz de sua amada. Tudo sempre de uma forma lisérgica, lúdica e dramática.
Letícia Persiles é a Capitolina de 14 anos. Uma Capitu linda e que se encaixa direitinho nas descrições de José Dias que dizia que a menina possuía “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” e de Bentinho que descrevia os mesmos olhos como “fixos... sombrios... olhos de ressaca”.
Desconfio que quem apenas assistir à microssérie, sem ter lido o livro, vai acreditar nas desconfianças (infundadas ou não) de Bentinho. Se bem que também me pergunto se alguém que nunca leu o livro terá interesse em acompanhar os cinco capítulos da microssérie. Pois é uma produção para inciados. A história pode até vir mastigadinha, mas é muito pouca para fazer com que alguém se apaixone e deseje acompanhá-la. É preciso já ter percorrido página por página do romance de Machado de Assis.
Duas coisas: tive vontade de ver tudo aquilo, exatamente daquele jeito, encenado numa peça, no teatro. Outra: percebi mais uma vez o quanto Machado de Assis é genial.
Juliana Dacoregio, no blog Heresia loira.
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pobres daqueles que tiveram de conhecer machado por causa do vestibular. lembra aquele lance de casamento arranjado. a idéia é bem ruim mas às vezes os prognósticos são contrariados e acaba dando certo (sem trocadilho).
Um comentário:
Obra pra iniciados... com toda certeza! Impossível apreciar toda a riqueza de sentidos sem ter acompanhado por escrito a neurose de Bentinho!
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