14.3.09

Neuroses eclesiásticas (11)

A descrição do clima em nosso coração é, na melhor das hipóteses, muito semelhante ao coração de filhos de pais muito severos. Mais provavelmente, é como os escravos se sentiam diante de seus senhores: com muito medo de desagradá-los, porque corriam risco de vida.

Na verdade, nosso medo é de pecar. Às vezes ele é aumentado por frases do tipo “e se o Senhor Jesus voltar bem nessa hora?”. Mesmo quando não há esse componente “de castigo eterno”, temos medo de estar fora da vontade de Deus: a mão dele vai pesar, vamos perder a bênção, etc. Nosso Deus nos inspira medo. Temor. A imagem que temos de Deus é muito séria, atemorizante. Portanto, nosso medo – que causa nossas neuroses – é de Deus.

Quando eu tinha cerca de 14 anos, numa reunião da união de adolescentes atendi a um apelo para dedicar minha vida ao serviço do Senhor (isso queria dizer ser pastor ou missionário, os únicos ideais imagináveis de dedicação de “tempo integral” a Deus naquela época). Três anos depois, com a conclusão do ensino médio, chegou a hora de decidir que curso fazer. Eu, por conta desse “chamado”, já pensava em cursar o seminário. Mas outras pessoas, especialmente professores do colégio, me encorajavam a tentar uma profissão “secular”.

Fui me aconselhar com um pastor amigo, que sabiamente falou que, se fosse de Deus, esse chamado iria permanecer. Mas na igreja ouvi várias vozes não tão sábias, inclusive de outro pastor, que diziam algo como: “se Deus te chamou para o ministério, você não será feliz em nenhum outro lugar; nada mais vai dar certo até que você esteja no ministério”. Que Deus exigente, não?

Você provavelmente conhece esse medo de tomar decisões erradas. Essa busca por saber a vontade de Deus, “o que eu devo fazer”, é um processo de muita oração, talvez pedindo sinais, talvez pedindo conselhos de pastores ou buscando palavra com profetas, tudo movido pelo medo de errar, que é nosso medo da ira de Deus.

Veja o paradoxo: nessa situação, quanto mais Bíblia e oração e pregações buscarmos, provavelmente ficaremos piores, mais neurotizados do que antes; o medo só crescerá, pois não estamos em paz. Na prática, não conseguimos assumir nós mesmos a responsabilidade de tomar decisões - queremos “empurrar para Deus” essa responsabilidade (mas desconfio que, como qualquer pai interessado no crescimento de seus filhos, Ele gostaria que aprendêssemos a tomar decisões por nós mesmos, utilizando a formação que Dele já recebemos até esse momento).

Muitas vezes, na Sua misericórdia e percebendo que nós “empacamos” horrorizados, Ele até manda um sinal, uma resposta mais objetiva, e assume o que seria a nossa parte. Mas outras vezes nossa ansiedade nos impede de ouvir Sua voz suave, e seguimos ao primeiro
“servo” que falar mais autoritariamente (e via de regra nos damos mal...).

Karl Kepler, psicólogo, pastor e teólogo.

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Um comentário:

Ariovaldo Jr disse...

Passei pelo desafio de ser "integral" no ano passado. Mas acabou que fiquei preso mais dois anos ao meu velho emprego. O engraçado disso tudo é que fui ordenado pastor (agora saem lasers de meus olhos) e mesmo trabalhando 8 horas por dia, me sinto INTEGRAL no evangelho.

Então me pergunto: o que tem a ver ser integral com esses paradigmas estúpidos e formatados de "ministério"?

http://www.ariovaldo.com.br

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